O Ministério da Gestão e da Inovação (MGI) anunciou a restrição de acesso público a documentos relacionados a acordos firmados com estados, municípios e organizações não governamentais (ONGs). Essa decisão, que inclui também emendas parlamentares, levanta preocupações sobre o uso de R$ 600 bilhões em recursos públicos e acontece em um momento em que a transparência governamental é mais necessária do que nunca. O ministério justifica essa medida com um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que trata da proteção de dados pessoais, mas essa argumentação não é corroborada pelo próprio órgão jurídico, que afirma que o parecer não sugere o sigilo de informações públicas.
Acesso restrito no TransfereGov
Com a nova normativa, informações cruciais, como as prestações de contas dos municípios, estados e ONGs que recebem recursos federais, foram ocultadas na plataforma TransfereGov. Essa ferramenta havia sido criada para reunir dados sobre gastos públicos, permitindo consultas sobre quais empresas foram contratadas para cada convênio. Especialistas alertam que essa situação pode comprometer o controle social sobre o gasto público, um aspecto fundamental da democracia.
Retrocesso nas promessas de transparência governamental
A decisão do MGI contrasta com as promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que enfatizou repetidamente a importância da transparência nos atos do governo. Este movimento gera preocupações, especialmente quando se considera a atual discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a transparência em relação às emendas parlamentares. A falta de acesso a documentos de prestação de contas, que trazem informações relevantes sobre como o dinheiro foi spendido, impede que cidadãos e órgãos de fiscalização cumpram suas funções de vigilância.
Críticas de especialistas sobre a medida
O cenário é ainda mais alarmante, dado que a restrição torna inacessíveis convênios abastecidos por emendas parlamentares, incluindo documentos essenciais, como planos de trabalho e notas fiscais. Gregory Michener, professor de Transparência e Boa Governança da Fundação Getulio Vargas (FGV), criticou a decisão do governo, apontando que a falta de publicações para contratos públicos é inaceitável e contraria boas práticas internacionais. Segundo ele, todas as transações que envolvem o Estado devem ser públicas, e ocultar informações sobre esses contratos é um retrocesso inaceitável.
Para Marina Atoji, responsável por programas na Transparência Brasil, a restrição é especialmente grave, pois dificulta o rastreamento de recursos enviados por emendas. “[A restrição de acesso] prejudica imensamente o controle social do gasto público, inclusive sobre emendas. É inaceitável que, justamente em um momento no qual se demanda mais clareza, os documentos que contêm essas informações fiquem indisponíveis com base em um entendimento errado da LGPD”, afirmou Atoji, acrescentando que esconder informações por causa de dados pessoais é uma medida desproporcional que prejudica o interesse público.
A posição do MGI e da AGU
Em resposta às críticas, o MGI afirmou que a manutenção do sigilo está alinhada com a LGPD e que está desenvolvendo ferramentas para a anonimização de dados. No entanto, a AGU enfatizou que sua orientação não implica no bloqueio de informações públicas e que o parecer mencionado não impede que documentos continuem acessíveis e auditáveis.
O TransfereGov, sucessor da antiga Plataforma+Brasil, foi criado com o objetivo de centralizar informações das transferências de recursos da União, visando ampliar a transparência e facilitar o controle orçamentário. Com as novas restrições, especialistas alertam que está se criando um grande obstáculo para a transparência e o controle social desejados pela sociedade.
Visão do presidente Lula sobre transparência
Durante sua campanha, Lula criticou severamente o sigilo imposto por seu antecessor e se comprometeu a promover uma gestão mais transparente. “Sem transparência, não há democracia”, afirmou ele em um evento no Palácio do Planalto. O presidente reforçou que o acesso à informação é um direito fundamental previsto na Constituição e que deve ser garantido a todos, ou seja, as atuais restrições parecem contradizer as promessas feitas à população.
À medida que o governo toma medidas que opõem os princípios da transparência, o papel da sociedade civil e de órgãos de fiscalização se torna ainda mais crucial para garantir que os recursos públicos sejam utilizados de forma responsável e visível a todos. Enquanto isso, a luta pela transparência continua e promete tornar-se uma pauta ainda mais relevante nos próximos meses.