No cenário atual da produção de carne na Amazônia, os frigoríficos que assinaram um acordo para se submeter a auditorias e se comprometeram a não comprar gado de áreas desmatadas ilegalmente apresentaram apenas 4% de operações irregulares. Essa informação foi revelada pelo Ministério Público Federal (MPF) em uma coletiva de imprensa nesta terça-feira, destacando os esforços do programa Carne Legal.
Resultados do programa Carne Legal
As empresas que não participaram do acordo, por outro lado, apresentaram uma alarmante taxa de 52% de “não conformidade”. Esses dados emergem de um acompanhamento contínuo realizado pelo MPF, que busca combater práticas ilegais na pecuária da região amazônica, uma das mais afetadas pelo desmatamento no Brasil.
O programa Carne Legal consiste na assinatura de termos de ajustamento de conduta (TACs) com os frigoríficos, visando garantir que a carne comercializada tenha origem lícita. No total, 89 unidades de negócios de seis estados (Acre, Amazonas, Pará, Rondônia, Mato Grosso e Tocantins) estão envolvidas na iniciativa, que representa cerca de um terço da produção pecuária na Amazônia Legal.
Monitoramento e auditorias
O MPF realiza monitoramentos e auditorias de compra de gado desde 2009, inicialmente no Pará e expandindo para outros estados da Amazônia Legal em 2020. Este é o segundo ciclo de auditorias, refletindo um aumento no número de estados monitorados e trazendo resultados que, de acordo com especialistas, comprovam a efetividade da iniciativa.
“Dentro daqueles que foram auditados, nós vemos uma situação de contínuo processo de melhora. A tendência que a gente sempre observa é que elas vão, ao longo do tempo, se adequando”, afirmou Ricardo Negrini, procurador federal do Pará. No entanto, ele ressaltou que existem exceções, com algumas empresas apresentando piora, mas que, em geral, o panorama é de melhora.
Participação dos frigoríficos e suas responsabilidades
Os frigoríficos que aderiram ao programa incluem grandes nomes do setor como JBS, Marfrig e Minerva. O MPF não divulga os resultados por empresa, mas é público o nome das empresas que decidiram participar do programa. A JBS, por exemplo, anunciou que atingiu 98% de conformidade em suas práticas, um aumento significativo em relação à etapa anterior das auditorias.
Liège Correia, diretora de Sustentabilidade da JBS, destacou que a evolução “comprovou que temos clareza sobre como alcançar o objetivo dos 100% de carne de pastos legalizados”. No entanto, as empresas que não conseguirem atender às exigências dos TACs estarão sujeitas a sanções, incluindo multas e possíveis embargos, com a avaliação de cada caso sendo feita pelos procuradores do MPF.
Desafios e limitações
Apesar dos avanços, o programa Carne Legal enfrenta desafios, especialmente na questão do monitoramento de fornecedores indiretos. Lisandro Inakake, gerente de projetos do Imaflora, explicou que, embora sejam capazes de monitorar compras diretas, a rastreabilidade das fazendas que fornecem gado para engorda ainda não está totalmente operacionalizada.
As auditorias recentes revelaram que, em análises entre 2020 e 2021, 38% do gado de fornecedores indiretos estava em conformidade, enquanto 35% não apresentavam correspondência com o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Esse cenário é preocupante, considerando que a expansão de pastagens para a pecuária é um dos principais responsáveis pelo desmatamento ilegal na Amazônia.
Impacto no desmatamento e no mercado
Um dado alentador, no entanto, é que a taxa anual de desmatamento na Amazônia caiu 21% de 2022 para 2023, e em 2024 a queda foi de 7%. Embora seja difícil atribuir todas essas melhorias à pressão sobre os frigoríficos, especialistas acreditam que iniciativas que disciplinam o setor são cruciais no combate ao desmatamento. Além disso, o MPF está engajado em colaborar com o setor, de forma a incentivar mais empresas a participarem dos acordos.
Rafael Rocha, procurador federal no Amazonas, reiterou a importância do papel dos frigoríficos no mercado: “Hoje, eles precisam prestar informações e se explicar perante seus consumidores, o varejo e os bancos que fornecem crédito. O nosso trabalho é colocar luz nessas questões para que cada ator cumpra seu papel.” A pressão do mercado e a crescente demanda por produtos sustentáveis podem levar a mudanças significativas na forma como a carne é produzida e comercializada no Brasil.
O programa Carne Legal e as auditorias do MPF constituem passos importantes na luta contra o desmatamento e na promoção de práticas sustentáveis na pecuária brasileira, um setor fundamental para a economia do país e para a preservação do meio ambiente.