A recente condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, junto a sete ex-integrantes de seu governo, destaca as profundas disparidades nas respostas judiciais a tentativas de golpe entre o Brasil e os Estados Unidos. Este artigo explora como eventos semelhantes, ocorridos em datas próximas, resultaram em desfechos totalmente diferentes, refletindo o estado atual da democracia em ambos os países.
Incidentes de 6 de janeiro e 8 de janeiro
Os episódios que marcaram o Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021 e as invasões em Brasília em 8 de janeiro de 2023 compartilham paralelos inquietantes. Ambos os eventos foram impulsionados por crenças infundadas de fraudes eleitorais e culminaram em disturbios que ameaçaram as instituições democráticas. Enquanto o Capitólio americano foi invadido por apoiadores de Donald Trump em busca de um golpe, os bolsonaristas em Brasília atuaram de maneira semelhante na defesa da permanência de Bolsonaro no poder.
Quase dois anos após o tumulto nos EUA, o Brasil vivenciou um cenário análogo, mas com consequências jurídicas e políticas divergentes. Enquanto o Supremo Tribunal Federal do Brasil condenou Bolsonaro, o tratamento reservado a Trump em sua própria tentativa de golpe foi radicalmente diferente, resultando na reafirmação de sua posição no poder, onde ele venceu as eleições de 2024.
A condenação de Bolsonaro e o tratamento nos EUA
No contexto brasileiro, a condenação de Bolsonaro e seus co-condenados foi uma clara demonstração do comprometimento do sistema judicial em responder a ações antidemocráticas. O Brasil já responsabilizou cerca de 1,1 mil pessoas pelos eventos de 8 de janeiro, com 638 já julgadas e condenadas, além de outras 552 que alcançaram acordos de não persecução penal. Em contrapartida, dos 1,5 mil acusados nos EUA, mais de 1.000 admitiram culpa, refletindo níveis distintos de responsabilização.
Embora os números sejam semelhantes, o processo de condenação foi discrepante. Nos EUA, as sentenças foram amplamente decididas em primeira instância, enquanto no Brasil, os casos estão sendo julgados pelo STF, o que contribuiu para um ritmo mais acelerado de condenações. A primeira sentença ligada aos eventos nos EUA levou 412 dias para ser proferida, enquanto no Brasil, isso ocorreu em apenas 249 dias após os atos violentos.
A CPI e o Comitê de Investigação
Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, a resposta a esses atos antidemocráticos envolveu a criação de comissões de investigação. No Brasil, a CPI resultou na indicação de Bolsonaro como um dos responsáveis, enquanto Trump também foi mencionado em relatório final pelos deputados americanos como uma figura central na instigação do ataque ao Capitólio.
Contudo, a diferença crucial reside nas consequências legais de busca de justiça. Enquanto o Departamento de Justiça dos EUA tinha indícios suficientes para processar Trump, a questão da imunidade presidencial impediu uma investigação mais aprofundada. Os arredores jurídicos em ambos os países revelam a complexidade da responsabilidade de líderes, onde no Brasil, a maior abertura do Judiciário em punir presidentes se contrasta com a tendência de proteção dos líderes nos EUA.
Legislação e suas implicações
O professor Fábio de Sá e Silva, da Universidade de Oklahoma, aponta que a diferença na evolução do sistema judicial entre os dois países é um fator determinante para entender essas disparidades. O fortalecimento da atuação do Judiciário e do Ministério Público no Brasil permitiu uma resposta mais firme e rápida a ações antidemocráticas. Além disso, a legislação brasileira inclui dispositivos específicos que punem tentativas de golpe de Estado, algo que não existe da mesma forma nos EUA, onde a liberdade de expressão é frequentemente considerada em distúrbios políticos.
A questão do perdão presidencial
No cenário atual, a questão do perdão também ganha destaque. Trump, ao retornar à Presidência, concedeu automaticamente perdão a muitos acusados pelos atos de 6 de janeiro, reservando exceções para crimes mais graves. No Brasil, a discussão em torno de um possível perdão aos envolvidos dos atos de 8 de janeiro já está presente, com figuras políticas como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, se manifestando a favor.
Essas comparações entre dois dos principais sistemas democráticos revelam não apenas as nuances dos processos judiciais, mas também os desafios contínuos enfrentados por ambos os países na preservação de suas democracias. O desfecho da condenação de Bolsonaro pode atuar como um exemplo para a responsabilidade e o fortalecimento da democracia no Brasil, em um cenário global onde o respeito às instituições é constantemente questionado.