A reverberação da figura de Joseph Stalin tem ganhado força na Rússia sob a liderança de Vladimir Putin, com 213 novos monumentos erguidos em homenagem ao ditador desde a década de 1990. Essa revalorização não é apenas histórica, mas também profundamente política, refletindo como o Kremlin utiliza a memória da Segunda Guerra Mundial para justificar ações atuais e suprimir dissidências.
Uma nova era de culto à personalidade
O exército russo, com suas provocações à OTAN e a exibição de uma frota de drones sobre a Polônia, demonstra como o governo de Putin mantém aos olhos do mundo uma imagem de força e resiliência. Ao mesmo tempo, a Rússia busca em seu passado um apoio vital para a retórica militar e nacionalista, utilizando o mito da “Grande Vitória” da Segunda Guerra para reforçar o culto à personalidade de Stalin, explorando a narrativa da bravura e do sacrifício.
A recente pesquisa de jornalistas da **Novaya Gazeta** aponta que a reideologização em torno de Stalin se intensificou desde que Putin chegou ao poder, com uma verdadeira reinvenção dos eventos históricos. Aglomerações em homenagem a Stalin são frequentemente orquestradas por autoridades locais e instituições ligadas ao Partido Comunista, como demonstrou o aumento acentuado de memoriais em 2019, ano do aniversário de 140 anos de nascimento do ditador.
Elemento central da retórica política de Putin
Em suas declarações, Putin tem reiterado que a Rússia possui “reservas infinitas de energia e minerais”, assegurando a população de que o país é capaz de se sustentar frente a qualquer crise. Num contexto de crescente repressão interna, o retorno a Stalin aparece como uma justificativa para qualquer tipo de controle ou limitação do espaço democrático na nação. Para Putin, evocá-lo é um passo seguro que reativa um sentimento de grandeza nacional.
Desumanização e reinterpretação da história
A memória coletiva russa também tem se distorcido, com ênfase na “grandeza stalinista” e uma minimização ou até mesmo a omissão dos horrores do regime, incluindo o Holodomor, a coletivização forçada e os muitos campos de concentração. Críticos ressaltam que, enquanto as vestígios de sua tirania são eliminados da história, proliferam expressões que glorificam sua figura, com discursos que evocam um tempo em que “isso não ocorria sob Stalin”.
A repressão da dissidência e o silenciamento da oposição
Na prática, a reabilitação de Stalin permite a Putin justificar medidas severas contra a oposição. A vínculo da figura de Stalin à ideia de uma “grande Rússia” serve de escudo para a repressão, onde a dissidência é tratada como uma traidora da pátria. O destino de figuras como Alexei Navalny se torna emblemático desse cenário onde o governo, por meio do controle da internet e da aparição de novos ‘centros patrióticos’, busca silenciar vozes dissonantes. A centralização do poder nas mãos de Putin é assim reforçada pela narrativa de um passado glorioso.
Prospectivas para o futuro da Rússia
O que parece ser uma glorificação do passado escuro da União Soviética contradiz qualquer esperança de uma Rússia progressista. O futuro promete mais do mesmo, como afirmou Putin: “O futuro será como o passado, e o passado era maravilhoso.” A evocação e reinterpretação de Stalin na atualidade são, portanto, parte de um jogo político que visa garantir a permanência do poder, mas que também pode resultar em consequências imprevistas na forma como o povo russo entende sua própria história e identidade.
Essa ressurreição do culto à vitória e à figura de Stalin não é apenas uma questão de memória histórica, mas um reflexo do autoritarismo crescente na Rússia. Em tempos de conflitos e crises, reimaginar figuras e acontecimentos do passado é uma tática que permite ao governo não só justificar sua abordagem militarista, mas também solidificar um regime em tempos de incertezas. O reconhecimento dessa nova realidade é vital para entender os caminhos que a Rússia de hoje pode tomar.
Pe. Stefano Caprio é docente de Ciências Eclesiásticas no Pontifício Instituto Oriental, com especialização em Estudos Russos.
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