O mistério que cercava o desaparecimento do pianista brasileiro Francisco Tenório Cerqueira Júnior, há quase 49 anos, chega a um desfecho. O Itamaraty publicou neste domingo (14 de setembro) um agradecimento ao governo da Argentina pela identificação do corpo do músico, realizada pela Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF). O anúncio marca um momento significativo na luta por justiça e reconhecimento das vítimas da repressão durante os regimes militares na América Latina.
Desaparecimento em meio à ditadura
Francisco Tenório, que tinha 35 anos na época, desapareceu em 18 de março de 1976, logo após deixar o Hotel Normandie, localizado na região central de Buenos Aires. O pianista havia viajado para a Argentina com a intenção de acompanhar a turnê da emblemática banda de Vinícius de Moraes e Toquinho. Tragicamente, esse desaparecimento ocorreu poucos dias antes do golpe militar que depôs a presidente Isabelita Perón, um período marcado pela repressão e violação dos direitos humanos na Argentina.
No último sábado (13 de setembro), o governo argentino anunciou que havia conseguido identificar o corpo do pianista brasileiro. Em um comunicado conjunto, os governos do Brasil e da Argentina enfatizaram a importância de continuar a busca pela verdade e justiça, destacando o direito das vítimas e de suas famílias.
“O Governo brasileiro saúda os esforços da Justiça e da Procuradoria de Crimes contra a Humanidade argentinas que resultaram no avanço desse caso. Trata-se de mais um exemplo da importância da atuação daqueles órgãos em prol da Memória, da Verdade e da Justiça”, declarou o governo brasileiro em nota.
Identificação e investigação
De acordo com informações da EAAF, a identificação de Tenório Júnior foi realizada através de impressões digitais. A busca por seu corpo, no entanto, ainda não resultou na recuperação, embora se tenha a informação de que ele foi enterrado em um cemitério em Benavídez, na região metropolitana de Buenos Aires.
Dois dias após o seu desaparecimento, um corpo masculino foi encontrado em um terreno baldio na Rua Belgrano, no bairro de Tigre. Isso deu início a um processo de identificação que contemplou novamente a coleta das impressões digitais e a realização de uma autópsia. Infelizmente, o corpo foi enterrado como “não identificado”, permanecendo por anos sem a devida identificação.
A luta pela verdade
A investigação ganhou novo impulso anos depois, com a Procuradoria de Crimes Contra a Humanidade iniciando ações para solucionar casos de desaparecimento ocorridos entre 1975 e 1983, período de intensa repressão na Argentina. Esse trabalho incluiu a análise de cadáveres encontrados em áreas públicas que ainda não tinham sido identificados, buscando esclarecer a tragédia de assassinatos perpetrados pelo governo militar.
A Câmara Federal de Recursos Criminais da Capital Federal adotou medidas que levariam à comparação das impressões digitais do dossiê de 1976 com as de Tenório Júnior, que foram arquivadas no Brasil. A confirmação da identidade do pianista gerou uma onda de reações, e a sua família foi prontamente notificada pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e pelo procurador Ivan Marx, conselheiro da Comissão.
Em 2013, a Comissão Nacional da Verdade no Brasil iniciou investigações para localizar o corpo do músico, atendendo ao pedido da família, composta por seu esposa Carmen Cerqueira, que na ocasião estava grávida de oito meses, e outros quatro filhos. O caso de Tenório Júnior simboliza não apenas o sofrimento de uma família, mas também a luta contínua por justiça e memória em um continente que ainda carrega as cicatrizes da ditadura.
O reconhecimento da identidade de Francisco Tenório Cerqueira Júnior não apenas encerra um longo período de incertezas para a sua família, mas também evidencia a importância do trabalho de identificação realizado por organismos de direitos humanos em toda a América Latina. A história do pianista é um lembrete do impacto devastador das ditaduras e da necessidade de honrar a memória daqueles que foram injustamente perdidos.