Brasil, 5 de setembro de 2025
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Ligações perdidas no Karnak: prefeitos se irritam com Rafael Fonteles

“Anote aí. Muitos prefeitos vão abandonar o Rafael Fonteles no ano que vem”, desabafa um prefeito. O recado ecoa pelos corredores do Palácio Karnak desde os primeiros meses de governo, mas parece não alcançar os ouvidos do governador.

Secretários que não atendem ligações. Chá de cadeira e concentração de poder. A insatisfação, antes concentrada em Wellington Dias, cacique petista, começa a se generalizar.

Assim que assumiu, Rafael Fonteles (PT) fez o gesto clássico de quem toma as rédeas do Executivo e em silêncio, promoveu uma limpa nos quadros de várias secretarias. Nada fora do padrão — não fosse a desconsideração da herança política de um padrinho político do tamanho de Wellington Dias, hoje ministro do governo Lula.

A expectativa, entre aliados, era simples: indicados do ex-governador voltariam naturalmente aos seus postos. Não foi o que aconteceu. Wellington Dias foi o primeiro a ficar insatisfeito. Ele e sua esposa, a conselheira Rejane Dias.

O silêncio que precedeu as demissões

Segundo relatou à reportagem um petista histórico, um a um os nomes ligados a Wellington foram sendo esquecidos ou exonerados. “Até um primo, recentemente”, diz, para sublinhar que o expurgo ganhara contornos de mensagem. 

Mas antes mesmo das canetas, vieram as portas fechadas: prefeitos próximos de Rejane Dias amargaram cadeiras desconfortáveis em esperas cada vez mais longas. “A primeira pancada foi o chá de cadeira nos prefeitos ligados à Rejane. Na verdade, Rafael nem os recebia”, afirma a fonte.

O contra-ataque de Wellington e a ascensão de Rejane

Wellington Dias nega, mas imprensa insiste em sua saída do Ministério do Desenvolvimento Social.
Wellington Dias não estaria satisfeito com Rafael Fonteles.

A irritação, previsível, ganhou endereço: o condomínio Mirante do Lago, residência de Wellington e Rejane Dias. A resposta do casal foi rápida e cirúrgica. Em 13 de janeiro de 2023, doze dias após a posse de Fonteles, Rejane — eleita deputada federal meses antes — assumiu uma cadeira no Tribunal de Contas do Estado do Piauí. A vaga, “do PT”, vinha ocupada por Olavo Rebelo. O movimento tinha dupla camada: apaziguava a cúpula partidária e reposicionava peças no tabuleiro de poder. Uma cadeira aberta na Câmara Federal.

Wellington, mestre em engolir sapos para servir o prato frio da vingança, cuidou de manter o partido satisfeito: abriu a porta para que o leal Merlong Solano assumisse a cadeira deixada por Rejane. Em público, um aceno à unidade. Nos bastidores, um recado de cálculo.

Começa a ser traçada a estreia de Vinícius Dias, o filho do casal. “Nunca foi a vice-governadoria o destino traçado para Vinícius. Sempre foi a Câmara Federal no lugar da mãe”, disse a fonte.

Merlong no xadrez de 2026 e a aposta em 2030

“Ele planejou indicar Merlong desde o início como candidato a vice-governador em 2026”, diz a mesma fonte. “Merlong seria fiel num eventual retorno de Wellington ao Karnak em 2030. Teria um vice que não tentaria ocupar seu lugar. Estava tudo desenhado na cabeça dele [Welligton Dias].” 

O desenho incluía um objetivo mais imediato de disputar influência sobre a chapa de 2026, especialmente o posto de vice de Fonteles, peça que costuma dizer muito sobre o dia seguinte.

Segundo a fonte petista, Wellington quer mesmo é retornar ao Governo em 2030 e entrar para a história novamente, superando a própria marca e ser eleito governador cinco vezes.

A palavra quebrada com Zé Santana

No caminho, uma quebra de promessa de Rafael Fonteles teria sido dirigida a Zé Santana — aliado cordial e ex-deputado estadual. Para sarar a ferida, compensações foram colocadas à mesa. Colégios eleitorais sob a influência de Rejane migrariam para a órbita de Santana; do outro lado, Fonteles abriu espaços relevantes no governo ao ex-deputado, que mira chegar à Câmara Federal em 2026 com apoio oficial. A política, como sempre, seguiu costurada à mão.

Rafael Fonteles cumpriu sua promessa. Já os colégios de Rejane Dias estão guardados e aguardando os passos do filho.

O núcleo duro de Fonteles e a diferença em relação ao padrinho

Se com Wellington a regra era dividir, com Rafael a estratégia tem sido concentrar. O governador fechou seu núcleo com nomes de confiança pessoal. Na Educação, chamou Washington Bandeira, que deixou uma carreira consolidada na magistratura e trocou a toga pelo terno de secretário. Na Saúde, escalou o reconhecido Antônio Luiz, que o acompanhara na Fazenda. Na própria Fazenda, pôs Emílio Júnior, irmão do vereador Dudu, petista de velha militância. Na Segurança, ficou com o amigo Chico Lucas. Na Secretaria de Governo — e adjacências — primeiro Marcelo Noleto, colega de escola, depois o também próximo Ivanovick Feitosa.

Na Administração, um dos Nascimentos. Também contemporâneo de Rafael Fonteles.

O governo de Rafael é moldado à imagem do chefe: de poucos para poucos amigos. Muito diferente do estilo de Wellington, que multiplicava mesas e repartia nacos para manter muitos satisfeitos, Fonteles tem apostado em uma turma reduzida que decide e executa. Aos velhos caciques do partido, sobrou a sensação de que a “renovação” não passaria necessariamente por eles. “Wellington, ao menos, fazia parecer que ouvia a velha guarda”, resume um dirigente. “Rafael sinalizou que daria espaço a novos nomes — muitos tirados do bolso da velha farda do Dom Barreto.”

Prefeitos na recepção: cafezinho, sigilo e um recado

A Assembleia não vibrou. Prefeitos, menos ainda. Em um estado onde os municípios dependem de cada convênio, peregrinar ao Karnak com o pires na mão é sobrevivência política.

No tempo de Wellington, havia sorrisos, bilhetes com assinatura do governador autorizando obras — muitas, é verdade, que não passavam do papel. Mas o contato existia; prefeitos voltavam às suas cidades com promessas para prometer de novo. “No governo Rafael Fonteles, prefeito não foi recebido como era no de Wellington Dias”, resume a fonte.

A reportagem quis ouvir quem sentia na pele a diferença. Foi difícil achar quem falasse. Achamos. O encontro foi presencial, intermediado por um amigo em comum. Sigilo firmado, café servido, o relato veio em ladainha: “O que eu vou falar aqui, não falo por mim, falo por muitos prefeitos. Ninguém vai fazer nada agora, mas espera o ano que vem pra você ver.”

As queixas se repetem, em tom de agravo: “A gente não consegue nada. Às vezes, não consegue nem ser recebido.” E a adjetivação, dura: “Rafael Fonteles é muito arrogante. Não escuta. Não atende. Nem ele nem os secretários mais próximos. Mas vão precisar de votos.”

Pergunto se falou com Wellington. A resposta: sim. O que ele disse? “Isso eu não posso comentar”, encerra, num sussurro que mais provoca do que explica.

A matemática dos votos e a lógica do poder

No miolo da política municipal, a conta é simples: oposição não entrega obra; governo, sim. Como resumiu a própria fonte ouvida pela reportagem:Entenda o seguinte. Oposição não tem obra pra dar. Governo tem. Então, em governo a gente vota em troca de benefício para nosso município. Se não somos bem tratados, respeitados, ouvidos e muito menos recebemos obras, é melhor votar de graça na oposição e esperar o reconhecimento através de um novo acordo no próximo governo.” O cálculo é frio: aguenta-se a travessia e renegocia-se o futuro com quem vier a vencer. É por isso que o aviso soa como ameaça: sem acesso, sem escuta e sem obra, o prefeito muda de lado. Engole a insatisfação agora. Vota no outro lado depois.

O que está em jogo daqui para frente

Rafael Fonteles apostou em eficiência, centralização e rostos novos. Entregará resultados? Se sim, o ruído dos corredores tende a perder volume; prefeito gosta de obra inaugurada e foto na faixa. Se não, a fricção com a velha guarda e a frieza com os prefeitos podem cobrar preço nas urnas. Sobretudo se Wellington, estrategista de estômago largo e tempo próprio, seguir a mover peças na penumbra do tabuleiro.

Enquanto isso, o recado do início desta reportagem continua a circular, como bilhete passado de mão em mão nas filas dos gabinetes: “Anote aí. Muitos prefeitos vão abandonar o Rafael Fonteles no ano que vem.” Para um governo que se orgulha de método e performance, está dado o desafio extra: recuperar o toque político — o abraço no corredor, a audiência na hora certa, o sim possível. Na prática, é a diferença entre multiplicar pontes ou contabilizar deserções. E, no Piauí, como em qualquer canto do Brasil, quem fecha a porta da política às vezes abre a janela do poder para o vizinho.

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