Um ano após a devastadora catástrofe climática que atingiu o Rio Grande do Sul, muitos agricultores da região ainda enfrentam as consequências das chuvas que devastaram suas lavouras e suas vidas. O Globo Rural retornou ao estado para ouvir suas histórias e entender como estão lidando com as perdas e tentando recomeçar.
Desafios financeiros e reconstrução das lavouras
O cenário que se apresenta é alarmante. Em Eldorado do Sul, onde se concentra a maior produção de arroz orgânico do Brasil, muitos agricultores, que fazem parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ainda estão tentando se reerguer. Seu Otavino, um dos agricultores da região, testemunha a dor da perda. Ele ficou sem sua casa, que foi condenada e corre risco de desabar, e atualmente reside em uma cabana que antes servia como galpão. “Me sinto quase que na rua, sem poder habitar um lugar que levei uma vida para construir”, desabafa.
A máquina que utilizava na lavoura de arroz também sofreu danos significativos. “Ela começou a falhar após ser submersa pela enchente. Para comprar uma nova, seria necessário cerca de R$ 2 milhões. Não tenho nem dinheiro para sobreviver, quem dirá para comprar uma máquina”, afirma Otavino.
As sequelas psicológicas da tragédia
As consequências da catástrofe não são apenas materiais. Muitos agricultores, que tentam permanecer em suas atividades agrícolas, estão lidando com profundas sequelas psicológicas. Iris e Ricardo, que residem em Muçum, criavam vacas de leite e cultivavam milho e soja. Ambos enfrentam desafios emocionais. “Eu não gosto de olhar para o rio. É uma sensação de pavor. Parece que ele vem assombrar a gente”, afirma Iris. Ricardo, por sua vez, desenvolveu crises de ansiedade e apresenta sintomas de síndrome pós-traumática, como tontura e falta de ar.
O abandono das propriedades
A situação é tão crítica que muitos agricultores foram forçados a vender suas propriedades para quitar dívidas geradas após as enchentes. Clair e Telmo, que anteriormente possuíam uma terra avaliada em R$ 3 milhões, tiveram que vendê-la por apenas R$ 1 milhão após a tragédia. “Eu não tenho mais a roça, que eu amava muito”, diz Clair, que atualmente trabalha realizando faxinas. Já Telmo, que se tornou secretário de agricultura em Arroio do Meio, reflete: “A gente saiu da roça, mas a roça não sai da gente”.
A busca pela recuperação
A resiliência dos agricultores gaúchos é impressionante. Apesar das adversidades, muitos ainda buscam a reconstrução de suas vidas e lavouras. Eles se uniram em redes de apoio e cooperativas para ajudar uns aos outros na recuperação. O governo e diversas organizações têm tentado fornecer assistência, mas muitos acreditam que é insuficiente frente ao tamanho do desafio. “Precisamos de políticas públicas que reconheçam o valor da agricultura familiar e que ajudem os produtores a se reerguerem”, defende um dos líderes da comunidade agrícola.
O futuro incerto
Enquanto aguardam apoio e buscam junto aos colegas novas formas de cultivar a terra, o sentimento de incerteza permanece. A falta de recursos e a perspectiva de um novo desastre climático deixam os agricultores apreensivos, mas a determinação de se reerguer é visível em cada um deles. “Eu não vou desistir. A terra é a minha vida”, conclui Otavino, com o olhar firme e a esperança renovada.
A história dos agricultores do Rio Grande do Sul é um lembrete sobre a força da comunidade e a importância da solidariedade em tempos difíceis. Eles continuam a lutar não apenas pela sobrevivência, mas por um futuro melhor, tanto para eles quanto para as próximas gerações.