O Brasil está em uma corrida global para se tornar uma das principais potências na produção de hidrogênio verde (H2V), a fonte de energia que promete moldar o futuro da transição energética. Entre os protagonistas dessa nova economia, o hidrogênio verde no Piauí emerge com um ambicioso projeto que visa transformar o estado em um hub estratégico para o mercado global. Mas, entre potencial natural e desafios estruturais, será que essa promessa pode realmente se concretizar?
Contexto global e importância do Hidrogênio Verde
O hidrogênio verde é produzido a partir da eletrólise da água, utilizando energia de fontes renováveis, como solar e eólica. Diferentemente do hidrogênio cinza, derivado de combustíveis fósseis, o H2V é livre de emissões de carbono, o que o torna uma peça-chave para a descarbonização global. O Brasil, com sua abundância de recursos naturais, é visto como uma potência natural para liderar esse mercado.
A produção de Hidrogênio Verde no Piauí
O Piauí, em particular, apresenta condições naturais privilegiadas. O estado combina altos índices de radiação solar com ventos constantes, condições ideais para a geração de energia renovável. Além disso, as vastas áreas de terras disponíveis são um diferencial competitivo para abrigar grandes usinas de energia solar e eólica, essenciais para viabilizar a produção de hidrogênio verde em larga escala.
O megaprojeto Green Energy Park no Piauí
Um dos pilares da estratégia do Piauí é o Green Energy Park, localizado na Zona de Processamento de Exportação (ZPE) de Parnaíba, a cerca de 340 km da capital Teresina. Este projeto, liderado por consórcios europeus, é considerado um dos maiores do mundo. Na primeira fase, a capacidade de produção prevista é de impressionantes 20 mil megawatts (MW), superando a potência instalada da Usina Hidrelétrica de Itaipu.
O Green Energy Park está projetado para ser operacional em 2027, com investimentos totais que podem alcançar R$ 200 bilhões até 2035. Segundo o governador Rafael Fonteles, o projeto deve gerar cerca de 20 mil empregos diretos e indiretos, colocando o estado no centro das discussões globais sobre transição energética.
“O Piauí tem tudo para ser um protagonista na produção de hidrogênio verde, com potencial não apenas para atender à demanda interna, mas também para exportar para mercados exigentes, como a Europa“, destacou o governador durante a COP 28, em Dubai.
Políticas públicas e incentivos locais
Para consolidar essa visão, o governo do Piauí aprovou, em 2024, a Lei nº 8.459, que estabelece a Política Estadual do Hidrogênio Verde. Essa legislação promove incentivos fiscais, parcerias público-privadas e a integração do hidrogênio verde à matriz energética estadual. Além disso, o governo busca atrair investimentos em infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento para fortalecer a cadeia produtiva.
A nível nacional, o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono, sancionado em 2024 pelo presidente Lula, estabelece diretrizes claras para produção, transporte e comercialização do H2V. Esse avanço legislativo oferece maior segurança jurídica para investidores, algo fundamental para um setor que exige aportes financeiros bilionários.
Concorrência regional e infraestrutura
Apesar de seu grande potencial, o Piauí enfrenta uma competição acirrada com outros estados nordestinos, especialmente o Ceará. O Porto do Pecém, no Ceará, já consolidado como hub de exportação de hidrogênio verde, tem atraído gigantes do setor, como a australiana Fortescue e a francesa Qair. O estado também firmou mais de 30 memorandos de entendimento com empresas internacionais, acumulando investimentos de cerca de US$ 8 bilhões.
Em contraste, o Piauí ainda luta para viabilizar a construção e modernização do Porto de Luís Correia, que será crucial para o escoamento do hidrogênio verde produzido no estado. A falta de uma infraestrutura portuária operacional coloca o estado em desvantagem na corrida por parcerias estratégicas e contratos de exportação.
Desafios técnicos e econômicos
Além das questões logísticas, a produção de hidrogênio verde enfrenta desafios técnicos e econômicos. O custo de produção ainda é elevado, variando entre US$ 4 e US$ 6 por quilo, enquanto o hidrogênio cinza permanece significativamente mais barato. A expectativa é que os custos do H2V diminuam à medida que as tecnologias avancem e a escala de produção aumente, mas até lá, a competitividade do produto será um obstáculo.
Outro desafio é o consumo de água necessário para o processo de eletrólise. Embora o Piauí não enfrente escassez hídrica severa, a competição pelo uso da água entre diferentes setores econômicos pode gerar conflitos. Além disso, a necessidade de mão de obra especializada exige investimentos em educação e treinamento técnico para formar profissionais capacitados para operar as tecnologias de produção e armazenamento do hidrogênio verde.
Parcerias internacionais e perspectivas futuras
O Piauí tem buscado parcerias internacionais para superar esses desafios. Em maio de 2024, durante o World Hydrogen Summit, na Holanda, o governador Rafael Fonteles participou de encontros com representantes da Agência Empresarial Holandesa e da Iniciativa de Hidrogênio Verde do Norte da Alemanha. Esses diálogos visam atrair investimentos e transferir tecnologias avançadas para o estado.
A Comissão Europeia também anunciou seu apoio ao Green Energy Park, destacando o projeto como estratégico para a Europa, que busca diversificar suas fontes de energia limpa. Além disso, o hidrogênio verde produzido no Piauí deverá ser exportado para o porto de Krk, na Croácia, onde abastecerá indústrias europeias de alto consumo energético.
Viabilidade e sustentabilidade: o Piauí pronto para o futuro?
Embora o cenário seja promissor, a viabilidade do projeto depende de fatores interconectados. O sucesso do Green Energy Park não será medido apenas pela capacidade instalada ou pelos recursos naturais disponíveis, mas também pela capacidade do estado de superar desafios estruturais e promover uma governança eficiente.
A construção do Porto de Luís Correia, a implementação de um marco regulatório robusto e o fortalecimento de parcerias público-privadas são passos cruciais para garantir a competitividade do Piauí no mercado global. Além disso, o investimento contínuo em pesquisa e inovação será fundamental para reduzir os custos de produção e tornar o hidrogênio verde uma alternativa viável e sustentável.
Como ressaltou o governador Rafael Fonteles, “o futuro do Piauí está intrinsecamente ligado à sustentabilidade e à inovação. Se conseguirmos unir nossos recursos naturais à capacidade de execução, poderemos transformar o estado em uma referência mundial em energias limpas.”
O hidrogênio verde representa uma janela de oportunidade única para o Piauí se destacar no cenário global da transição energética. Com recursos naturais abundantes, investimentos promissores e um mercado internacional crescente, o estado tem o potencial de liderar essa nova economia sustentável.
No entanto, o sucesso não será automático. A construção de uma infraestrutura sólida, a resolução de desafios logísticos e econômicos e a implementação de políticas públicas eficazes serão determinantes. Se bem-sucedido, o projeto de hidrogênio verde poderá não apenas transformar a economia do Piauí, mas também posicionar o Brasil como um protagonista na luta global contra as mudanças climáticas.