O coronel e o grito de uma mãe no Piauí: quando a proteção se transforma em terror

Mãe vai às redes sociais e denuncia quem deveria proteger. Dados sobre os crimes de estupro no Piauí são alarmantes. Casos envolvendo crianças são a maioria.

Paulistana, sul do Piauí. Uma cidade onde os dias correm lentos e o silêncio é a trilha sonora das tardes. Mas, em uma tarde recente, esse silêncio foi quebrado. Uma mãe, com a voz entrecortada pelo desespero, usou as redes sociais para revelar ao mundo a dor de um crime que nenhuma mãe deveria jamais precisar contar. “Minha filha foi abusada por um monstro. Um monstro.” As palavras saem quase sussurradas, mas é o suficiente para que a indignação ecoe em cada canto do estado. Esse “monstro”, segundo a mãe, é o coronel da Polícia Militar, Ricardo Pires de Almeida.

A história que ela conta é de cortar a alma. A menina de 11 anos, antes uma criança alegre, cheia de planos simples e inocentes como jogar bola na pracinha, agora vive aterrorizada. Tudo aconteceu onde ela deveria estar segura: a casa dos avós paternos, um porto seguro enquanto a mãe trabalhava. Mas nessa tarde fatídica, o porto se tornou um naufrágio. O coronel estava lá, e o que aconteceu depois transformou para sempre a vida dessa menina. O grito da mãe nas redes sociais é um chamado às outras mães, ao governador, a Deus, ao que for preciso: ela quer justiça.

Uma história que reflete um pesadelo coletivo

No Piauí, esse crime não é um ponto fora da curva; é um reflexo da violência que assola crianças e adolescentes todos os dias. A realidade é sombria. Dados de segurança pública mostram que até junho de 2024 o estado registrou 581 casos de estupro, dos quais 80% envolveram vítimas vulneráveis, crianças e adolescentes menores de 14 anos. Imagine: três crianças violentadas por dia em um lugar onde a vida deveria ser tranquila, onde os dias são longos e as noites pacíficas. Mas a paz é uma ilusão.

Dados de segurança pública mostram que até junho de 2024 o estado registrou 581 casos de estupro, dos quais 80% envolveram vítimas vulneráveis, crianças e adolescentes menores de 14 anos.
As crianças são cerca de 80% das vítimas de estupro no PIauí

A mãe da menina está em um limiar onde o medo se transforma em coragem. “Eu não vou me calar”, ela repete. Para ela, o grito de justiça é o único remédio que resta. Ela suspeita que sua filha não é a única vítima do coronel. “Quantas meninas, em quantas casas, quantas pracinhas…”. Esse desabafo se torna um lembrete doloroso de que muitas mães no Piauí já conhecem essa dor, esse desespero, esse vazio.

O Piauí: um estado onde a infância é violada

Se olharmos as estatísticas, parece que o Piauí também está gritando. A voz dessas crianças, muitas vezes abafada pelo medo e pelo silêncio, é revelada em números assustadores. No Piauí, 80% das vítimas de estupro são vulneráveis – crianças e adolescentes que deveriam estar estudando, brincando, vivendo sua infância. Mas para elas, o mundo é um lugar perigoso, onde a inocência é violada diariamente. Essas crianças, muitas delas em cidades pequenas e de interior, têm os rostos escondidos pelo sigilo, mas suas histórias ecoam um sofrimento coletivo.

Infográfico com casos de estupro no Piauí.
Infográfico

O Piauí figura entre os estados com maior incidência de violência sexual contra menores, superando até mesmo a média nacional. Em 2024, o Brasil já contabilizava mais de 60% dos casos de estupro envolvendo menores de 14 anos, e o Nordeste carrega uma parte significativa dessa tragédia. Em pequenas cidades como Paulistana, onde todos se conhecem, as relações de confiança que deveriam proteger as crianças frequentemente as expõem ao risco.

O Piauí escuta o grito de uma mãe contra o coronel Ricardo Pires de Almeida

A mãe pede ajuda ao governador. “É uma mãe que está pedindo. Um homem que deveria proteger abusou da minha filha”, ela declara. E a ironia é cruel. O agressor é alguém que jurou proteger.
“Eu vou até o fim por Justiça, eu quero justiça. Porque isso aí não se faz”, finalizou a mãe.

A mãe pede ajuda ao governador. “É uma mãe que está pedindo. Um homem que deveria proteger abusou da minha filha”, ela declara. E a ironia é cruel. O agressor é alguém que jurou proteger. Fardado, o coronel se coloca acima de suspeitas, invulnerável em sua posição de autoridade, enquanto a criança fica indefesa. O que fazer quando quem deveria proteger é o próprio predador? Que sociedade é essa que permite que o medo de represálias seja tão presente que mesmo diante de uma violência tão brutal, ainda há quem diga para essa mãe se calar?

A mulher se torna porta-voz de uma angústia coletiva. Em sua fala, ela repreende o silêncio que acoberta esses crimes: “Cuidado! Cuidado com quem vocês confiam seus filhos!”. E seu pedido se transforma em uma denúncia direta contra o sistema, uma denúncia contra a normalização dessa violência, contra a apatia e a indiferença que deixam tantas crianças vulneráveis e expostas a riscos dentro de suas próprias casas.

Quando o lar deixa de ser seguro

O lar é o local onde ocorrem 65% dos estupros de menores. São crianças abusadas em silêncio, dentro de casa, com agressores que são conhecidos, próximos, muitas vezes da própria família.
É dentro de casa o lugar onde as crianças se tornam mais vulneráveis

Em estatísticas e dados, o lar é o local onde ocorrem 65% dos estupros de menores. São crianças abusadas em silêncio, dentro de casa, com agressores que são conhecidos, próximos, muitas vezes da própria família. E essa é a realidade mais dura: o lar, que deveria ser o abrigo, se torna a armadilha. E Paulistana não é uma exceção. O grito da mãe pia para o governador, para as autoridades e para todas as outras mães é um pedido desesperado por uma transformação.

Justiça ou silêncio?

Muitas das investigações correm em segredo de justiça. Esse segredo, para muitos, é uma proteção da dignidade da vítima, mas para outros, é apenas mais uma camada de silêncio em uma realidade em que o silêncio já custa vidas. A justiça precisa ultrapassar as paredes das delegacias, precisa alcançar as escolas, as pracinhas e as redes sociais, onde mães como essa gritam por socorro. 

Como agir para evitar a violência sexual
Infográfico

O Piauí, o Nordeste e o Brasil estão repletos de histórias como essa, repetidas em um ciclo macabro que parece nunca se romper. Em 2023, mais de mil casos de estupro foram registrados no Piauí; quantos foram realmente solucionados? Quantas crianças podem realmente confiar na justiça?

O último grito de Paulistana

O que sobra para essa mãe em Paulistana, o que resta para essa criança que ainda tenta entender o que lhe foi tirado? Sobra o grito, a coragem de transformar a dor em voz e de jogar luz sobre uma escuridão onde muitos preferem não olhar. O caso do coronel não é isolado, é um símbolo de uma sociedade que precisa decidir se continuará a virar o rosto ou se finalmente enfrentará a realidade.

Talvez o grito dessa mãe seja o primeiro de muitos, uma faísca para que outras mulheres, outras mães e outras famílias finalmente quebrem o silêncio. Porque enquanto uma criança carrega o trauma, enquanto uma mãe grita por justiça, o Piauí – e o Brasil – ainda tem muito a responder.

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