O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), adotou uma nova postura nos julgamentos relacionados aos atos golpistas ocorridos em 8 de janeiro, ao afirmar que não é viável condenar os réus simultaneamente pelos crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Segundo o novo entendimento de Fux, o crime de golpe de Estado englobaria o crime de abolição, resultando na aplicação de uma pena menor.
A mudança de entendimento e suas implicações
A recente mudança de posicionamento de Fux já começou a impactar as decisões em casos julgados no STF, sugerindo uma possível redefinição do tratamento jurídico dos envolvidos nos atos do 8 de janeiro. Essa postura pode ter consequências significativas no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, cujo processo está agendado para o segundo semestre. Antes mesmo dessa alteração, defesa dos réus já considerava Fux uma esperança de divergência nas decisões relacionadas ao caso.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, além de ser a favor da ideia de que a acumulação dos dois crimes não é possível, vem defendendo essa postura desde o início dos julgamentos em 2023, enquanto Fux conseguia acompanhar integralmente o relator, Alexandre de Moraes, até agora.
Justificativas e contexto jurídico
Fux explicou, em conversas privadas, que sua nova visão evoluiu ao longo dos processos analisados. Ele pretende aplicar esse novo entendimento em recursos, como embargos de declaração e revisões criminais. Ao ser contatado para comentar, o ministro optou por não se manifestar.
Até o momento, Fux já aplicou seu novo entendimento em 18 ações do 8 de janeiro. Recentemente, ele solicitou vista de duas ações em julgamento. Em cinco desses julgamentos, a alteração de sua posição causou a falta de uma maioria para a pena sugerida por Moraes, que era de 14 anos. Assim, será necessário calcular um voto médio, um procedimento que ainda não havia sido realizado quase duas semanas após o término do julgamento.
Variações nas penas propostas
Nos dez processos análise na Primeira Turma, a maioria foi formada, tendo Cármen Lúcia e Flávio Dino acompanhado integralmente a posição de Moraes, enquanto Cristiano Zanin acabou votando com ressalvas, divergindo apenas no cálculo das penas.
Fux acompanha Barroso nas votações do plenário, mas apresentou votos diferentes nas deliberações da Turma, detalhando suas justificativas e sugerindo diferentes penas. O magistrado argumentou que as circunstâncias dos crimes não são autônomas quando contextualizadas no mesmo fato, podendo haver uma relação de dependência entre os tipificados.
Impacto das decisões e possíveis recursos
Em várias decisões onde Moraes pleiteou penas de até 17 anos, Fux fez uma proposta de 11 anos e seis meses; e, em casos onde a pena sugerida foi de 14 anos, ele defendeu uma punição de nove anos e seis meses. Contudo, as decisões de Moraes prevaleceram, devido à concordância de Cármen Lúcia e Flávio Dino.
Com a eventual condenação de Bolsonaro e outros réus, as divergências na aplicação das penas poderão abrir novas possibilidades de recursos. Fux se tornou visto por bolsonaristas como uma potencial esperança após ter divergido no caso de Débora Rodrigues dos Santos, chamada de “Debóra do Batom”, e por suas críticas durante o recebimento da denúncia do caso que envolve a trama golpista.
Compreendendo a legislação vigente
Os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado foram instituídos em 2021, substituindo a antiga Lei de Segurança Nacional. O primeiro crime prevê penas de quatro a oito anos, enquanto o segundo estabelece punições que variam de quatro a doze anos. Moraes defende a aplicação conjunta desses tipos penais, o que resultaria em penas mais elevadas.
Além das acusações por esses crimes, a maioria dos réus, incluindo o ex-presidente Bolsonaro, também enfrenta acusações de associação criminosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Segundo Taiguara Libano, professor de Direito Penal do Ibmec, o crime de abolição pode ser considerado um “crime-meio”, absorvido pelo “crime-fim”, que é o golpe de Estado. Essa interpretação se fundamenta no princípio da consunção, que sustenta que o crime mais grave absorve o menos grave.
Com a nova postura de Fux, o ministro Edson Fachin se tornou um dos pilares nas discussões do plenário, podendo definir a balança nas votações. Fachin vinha seguindo as sugestões de Zanin, mas em três julgamentos recentes, apesar de divergências, ele acabou acompanhando Moraes.
Nos julgamentos onde Fux não seguiu o relator, um impasse foi criado para definir as penas. Apesar das incertezas, o entendimento de Fux pode representar uma nova fase no tratamento jurídico dado aos atos golpistas, refletindo um equilíbrio cada vez mais complexo dentro do STF.
O desenrolar desse caso é amplamente aguardado e pode impactar não apenas os réus envolvidos, mas toda a estrutura do judiciário brasileiro e a percepção pública sobre a Justiça.