Em um contexto de crescente tensão entre o Executivo e o Congresso, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta um cenário delicado. Pesquisas recentes indicam que as forças aliadas ao governo estão mais ativas em contestar normas e medidas do Executivo do que o próprio partido de oposição, o PL, liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Este fenômeno, como aponta o cientista político Murilo Medeiros, da Universidade de Brasília (UnB), revela um agravamento da crise política que poderá ter sérias repercussões na governabilidade.
O aumento das contestações políticas
Desde o início de 2023, foram protocolados pelos partidos da base alugada mais projetos de decretos legislativos (PDLs) do que pelo PL. Enquanto os aliados de Lula apresentaram 315 PDLs, o PL protocolou 308 iniciativas de contestação. Em contraste, o histórico legislativo revela um movimento similar apenas nos governos anteriores, onde a oposição normalmente liderava tais ações. A última vez que um presidente enfrentou um cenário tão complicado foi em 1992, no final do governo Fernando Collor de Mello, quando as contestações na forma de PDLs culminaram em sua própria destituição.
Um exemplo marcante dessa dinâmica ocorreu na última quarta-feira, quando o Congresso rejeitou um decreto presidencial que elevava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Curiosamente, entre os 383 deputados que votaram contra o governo, dois terços pertencem a partidos que ocupam cargos ministeriais. Este fato é indicativo de um descontentamento crescente nas fileiras aliadas, que mesmo sendo parte do governo, não hesitam em se opor a medidas que consideram desfavoráveis.
A fragmentação da base aliada
O cenário observável atualmente é caracterizado por uma base aliada fragmentada e pouco coesa, conforme analisa Murilo Medeiros. Esse aspecto contrasta com mandatos anteriores de Lula, quando a base era mais firme e comprometida com o programa de governo. A crise atual apresenta-se ainda mais acentuada pela baixa popularidade do presidente e pelo afastamento das lideranças dos partidos centrais, obrigando o governo a negociar “no varejo” com os parlamentares em cada passo que dá.
Além disso, o desenvolvimento de contestações dentro das fileiras aliadas é palpável, conforme demonstram as iniciativas protocoladas. O partido União Brasil, que ocupa a pasta das Comunicações e outras áreas relevantes, é responsável por 73 propostas de PDLs, coeso com o PP que, pertencente ao ministro dos Esportes, também protocolou 73. A sociedade também atenta para as consequências de tais ações, como a manutenção de regra que conferia poderes à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o que provocou forte desaprovação por parte do agronegócio.
O impacto nas próximas eleições
A possibilidade de descontentamento entre os aliados pode também ter repercussão nas eleições que se aproximam. Muitas das contestações atuais são vistas como manobras para garantir espaço para candidatos adversários, aplicativo a líderes que possam se opor a Lula nas próximas corridas eleitorais. De acordo com o cientista político Leandro Consentino, a tendência de desunião pode resultar em um futuro onde muitos dos partidos que hoje estão na base de Lula se afastem e busquem candidaturas alternativas para manter sua relevância política.
O contexto atual é repleto de incertezas, especialmente considerando que a CPI do INSS, que investiga possíveis irregularidades nas aposentadorias, está sendo instaurada com apoio significativo de partidos aliados. Essa CPI pode ser um novo fator de desgaste para o governo, que já enfrenta outras dificuldades, como a derrubada de vetos que poderiam reverter aumentos nas tarifas de energia.
Perspectivas futuras
Diante de uma base que se diferencia em suas prioridades e de altos custos políticos, o governo Lula atravessa um período crítico. À medida que as negociações se intensificam e a pressão se eleva entre deputados de diferentes espectros partidários, o governo precisará deliberações estratégicas e soluções criativas para manter a governabilidade enquanto navega pelas turbulências de um cenário político que se mostra cada vez mais desafiador.
A baixíssima popularidade de Lula pode culminar em uma guerra de desgaste político que pode afetar não só a sua administração, mas que também instabiliza a própria base aliada, colocando em risco até o apoio das forças que tradicionalmente são consideradas como parceiras. Assim, as próximas semanas e meses serão cruciais para determinar o futuro da gestão e do cenário político brasileiro.