Nos últimos dez anos, o Congresso Nacional brasileiro ampliou seu poder sobre o Orçamento da União, triplicando a quantia destinada às emendas parlamentares. No entanto, essa ampliação vem acompanhada de um preocupante esvaziamento dos principais mecanismos de fiscalização das contas públicas, conforme aponta um levantamento realizado pelo jornal O Globo. Esse cenário levanta sérias questões sobre a transparência e a responsabilidade na aplicação dos recursos públicos.
Pandas e Perdas na Fiscalização
A função do Congresso de fiscalizar a execução orçamentária está prevista na Constituição Brasileira, e essa responsabilidade é exercida em paralelo a outras atribuições legislativas. Contudo, especialistas observam que os parlamentares estão cada vez mais ocupados definindo como uma maior fatia do dinheiro público deve ser aplicada, em detrimento de sua capacidade de controle. A Comissão Mista de Orçamento (CMO), principal fórum de debate sobre o tema no Congresso, teve uma queda drástica no número de reuniões e audiências. Em 2015, foram 81 encontros, enquanto em 2024 houve apenas 18, e neste ano apenas sete até agora.
A queda nas atividades das comissões
A Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) também registrou uma redução drástica em suas atividades. O número de reuniões caiu de 70 em 2015 para 34 em 2024, e neste ano a CFFC realizou apenas 12 atividades nos primeiros seis meses. Essa diminuição nas reuniões e atividade legislativa aponta para uma falta de acompanhamento adequado das contas públicas.
Além disso, o número de Propostas de Fiscalização e Controle (PFCs), que os parlamentares usam para investigar irregularidades na administração pública, caiu alarmantes 25% nos últimos dez anos. Em 2015, foram apresentadas 69 propostas, comparadas a apenas 52 no ano passado. Este ano, apenas 26 propostas foram registradas.
Desinteresse e Novas Estratégias
Com a expansão do controle financeiro e orçamentário, o foco do Congresso parece ter se deslocado da fiscalização para a aplicação direta de recursos. Em 2015, a cifra investida em emendas era de R$ 16,92 bilhões. Já em 2025, este número alcançou R$ 50,38 bilhões. Esse novo modelo de repasse financeiro, iniciado em 2020, favorece as chamadas emendas Pix, que permitem transferências diretas para estados e municípios, muitas vezes sem a necessidade de um detalhado plano de trabalho.
Segundo Juliana Sakai, diretora executiva da Transparência Brasil, essa mudança representou uma distorção no papel do Legislativo. “O Legislativo desvirtuou o seu papel fiscalizador ao passar a ter poder de decidir sobre um volume absolutamente desproporcional do orçamento público por meio das emendas parlamentares”, declarou.
A fala dos parlamentares
Os líderes das comissões mostram-se conscientes dessa diminuição no papel fiscalizador. “A Comissão de Fiscalização deveria ser uma trincheira permanente da transparência e controle dos gastos públicos. No entanto, sua atuação tem sido limitada por um bloqueio institucional inaceitável”, afirmou o deputado Bacelar (PV-BA), que preside a CFFC.
Bacelar também destacou que, apesar da CFFC já ter aprovado 98 requerimentos este ano, progredir na fiscalização tem sido um desafio. Por sua vez, Efraim Filho, presidente da CMO, defendeu a importância de um cronograma para a recuperação do tempo perdido na fiscalização do orçamento, após a demora na votação orçamentária.
Consequências Práticas e Desafios Futuros
A recente crise política gerada pelas adversidades enfrentadas pela gestão atual trouxe à tona a falta de prestação de contas por parte de estados e municípios. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem cobrado resultados em relação a essas transferências diretas, evidenciando a urgência de uma supervisão eficaz. A ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) reconheceu que não há intenção de retardar a execução das emendas, embora a disputa pelo controle orçamentário continue a polarizar Legislativo e Executivo.
A situação atual do Congresso, entre a ampliação do seu poder sobre as finanças e a redução da fiscalização, aponta um futuro incerto na gestão responsável do orçamento público. Diante desses desafios, fica evidente a necessidade de um fortalecimento dos mecanismos de controle, que é fundamental para garantir a transparência e a integridade no uso dos recursos públicos.
A falta de um incentivo claro para que parlamentares investiguem irregularidades pode se transformar em um ciclo vicioso onde a negligência nas ações de fiscalização prevalece em detrimento da responsabilidade fiscal e da boa governança.