Ao assistir ao filme “Anora”, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, uma trabalhadora sexual de Nova York compartilhou suas emoções e opiniões. O filme, vencedor de cinco Oscars, retrata uma história de uma stripper que se casa com um herdeiro russo, mas a perspectiva de quem atua na indústria do sexo difere bastante da narrativa apresentada.
Reações de quem vive a realidade do sexo
Emma*, uma acompanhante e dançarina com dois anos de experiência em um clube de strip em Manhattan, afirmou que muitas cenas iniciais do filme parecem autênticas. “Quando assisti às primeiras cenas, fiquei entediada — o que provavelmente é um sinal de que a produção refletiu com fidelidade o ambiente de trabalho”, disse ela. Contudo, sua percepção mudou ao longo do filme, principalmente ao se deparar com representações distorcidas de comportamentos e motivações
Desconexões com a experiência real
Emma destacou a cena em que Ani, protagonista, pergunta a Vanya se ele quer fazer sexo novamente durante uma hora pago. “Nunca, com minhas colegas, faria isso por já estarem pagas — é algo que não se faz”, contou. Ela também se irritou ao ver as colegas comemorando a noiva na filmagem, sem questionar se ela deveria depender de um jovem de 21 anos que não ganha seu próprio dinheiro. Para Emma, essa narrativa não condiz com a realidade de muitas profissionais, que buscam autonomia financeira.
Ela criticou ainda a personagem feminina de comportamento “antissocial” apresentada na casa de strip, dizendo que “esse tipo de atitude não sobreviveria na indústria”. Emma reforçou que o que mantém essas profissionais no setor é a inteligência e a solidariedade entre elas — fatores que ela acredita que o filme poderia ter retratado melhor.
O personagem de Ani e a idealização do relacionamento
Ao casar, Emma achou estranho o fato de Ani continuar a parecer extremamente sexualizada. “Isso parece um sonho de homem, uma fantasia de como ele imagina que uma mulher na indústria do sexo deveria se comportar”, argumentou. Para ela, na vida real, esse tipo de persona é uma máscara temporária, que cai quando a relação se torna mais íntima.
Ela também criticou a ideia de que Ani, como uma acompanhante experiente, teria se apegado emocionalmente a Vanya apenas por esperança de amor. “Nao confio que qualquer homem, especialmente esses jovens na cidade, realmente queira ficar com ela. Tudo é uma questão de dinheiro”, afirmou.
Estereótipos e percepções distorcidas
Emma lamenta que o filme retrate a personagem principal como alguém ingênua demais, acreditando que Vanya de fato poderia se apaixonar por ela após conhecê-la na boate. “Na minha visão, ela acha que há algum tipo de resgate emocional, mas a vida no setor mostra que somos substituíveis facilmente”, explicou.
A problemática do “cliché” do sofrimento
Emma criticou a tentativa do filme de romantizar o sofrimento na trajetória de uma trabalhadora sexual ao mostrar uma cena na rua em que ela chora. “Tenho dores, sim, mas elas vêm mais de insegurança financeira ou da falta de respeito no mundo do que da sexualidade em si”, afirmou. Para ela, essa narrativa alimenta um estereótipo masculino de que retratar uma mulher sofrida e emocionalmente vulnerável é uma forma de “realismo”.
Ela desejaria que o filme encerrasse de forma mais contundente, como uma personagem que repudia a última tentativa de contato de Vanya, simbolizando sua autonomia de dizer “não”.
Perspectivas e críticas finais
Para Emma, o filme reforça uma ideia nociva de que a indústria do sexo é uma fonte de desgraça, sofrimento e desilusão, reforçando um estereótipo que contribui para a objetificação e marginalização das profissionais do setor. “As pessoas lucram com esse imaginário, vendendo uma imagem sensacionalista de que tudo é triste e complicado, quando na verdade há muito mais força, autonomia e inteligência nessas mulheres”, concluiu.
*Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada.