No que parece uma contradição dramática, a deputada republicana Kat Cammack atribuiu a democratas a culpa pela demora no atendimento médico que quase lhe custou a vida. Em entrevista ao Wall Street Journal, ela revelou ter passado por uma gravidez ectópica séria, logo após a entrada em vigor da lei de aborto de seis semanas na Flórida, em 2023.
O relato de Kat Cammack sobre sua experiência com gravidez ectópica
De acordo com a deputada, ela descobriu estar aproximadamente cinco semanas grávida, sem batimentos cardíacos no embrião, e foi advertida por médicos que sua vida poderia estar em risco. Ainda assim, ela afirma que a equipe hospitalar hesitou em interromper a gestação devido ao medo de punições legais, resultado da proibição estadual de aborto. Kat argumentou por horas, inclusive tentando contato com o gabinete do governador Ron DeSantis, até que finalmente recebeu o tratamento com methotrexate, um medicamento usado em casos de gravidez ectópica.
Discurso de dissonância cognitiva e responsabilização
Surpreendentemente, a parlamentar culpou a chamada “medo” dos médicos à narrativa de “alarmismo” promovida por setores liberais, que segundo ela, teria levado os profissionais de saúde a duvidar de suas ações, mesmo sob eixos de punição severa. “Eles estavam paralisados por uma narrativa de medo criada pelos democratas”, afirmou Cammack, que continua como co-presidente do Caucus Pró-Vida.
As consequências das leis restritivas nos Estados Unidos
Desde a revogação do Roe v. Wade, diversos estados proibiram ou fortaleceram restrições ao aborto, dificultando atendimento emergencial e colocando vidas em risco. Segundo o Centro de Direitos Reprodutivos, pacientes têm tido atendimentos atrasados ou negados por causa do temor de penalidades severas, como na Flórida, onde realizar aborto após seis semanas pode resultar em pena de até cinco anos de prisão e multa de R$ 25 mil. Em Texas, as punições são ainda mais drásticas, com prisão perpétua e multas de R$ 125 mil, além da perda da licença médica.
Casos tristes ilustram os efeitos fatais dessas políticas: Amber Thurman permaneceu 19 horas aguardando atendimento, Josseli Barnica enfrentou uma espera de 40 horas, e Nevaeh Crain precisou visitar o hospital três vezes em uma semana, antes de falecer por complicações relacionadas à gravidez indesejada. Esses exemplos reforçam a análise de que o avanço das leis anti-aborto não apenas dificulta o cuidado, mas põe vidas em extremo risco.
Dados alarmantes sobre mortalidade materna na Texas
Sítio do Gender Equity Policy Institute revela que o Texas apresenta a maior taxa de mortalidade materna dos Estados Unidos, especialmente entre mulheres negras. Apesar de sua grande população, estados como a Califórnia, que possuem leis mais permissivas, apresentam índices significativamente menores. Isso levanta questões sobre os impactos reais das legislações restritivas na saúde materna.
Crítica à postura de Kat Cammack
Enquanto a deputada insiste que sua experiência não configura um aborto — chamando o procedimento de outro nome —, sua narrativa reforça a ideia de que ela necessitava interromper a gestação para salvar sua vida. Contudo, a sua posição de defender a proibição do aborto enquanto viveu uma emergência médica revela uma incoerência grave.
Até agora, Cammack permanece como líder no Caucus Pró-Vida, ignorando as evidências e histórias de mulheres que morreram devido às restrições de acesso a cuidados de emergência. Afinal, sua dor pessoal não deve apagar a realidade brutal enfrentada por inúmeras outras pessoas em situação semelhante, muitas das quais perderam suas vidas — um desfecho evitável, se não fosse a criminalização do aborto.
Perspectivas futuras e debates essenciais
Até que políticos como Cammack reconheçam que todas as vidas merecem cuidados seguros e acessíveis, a luta por direitos reprodutivos continuará sendo marcada por tensões, perdas e injustiças. As histórias trágicas de mulheres como Nevaeh Crain, Josseli Barnica e Amber Thurman alertam para uma necessidade urgente de repensar e reformar as leis que criminalizam o aborto em diversos estados americanos.