Em um cenário político em constante evolução, o Brasil celebra um marco significativo: em 2024, 224 pessoas declaradamente LGBTQIA+ foram eleitas, estabelecendo um novo recorde de representatividade. Apesar desse avanço, que deveria ser um motivo de comemoração, a realidade revela que a discriminação continua a ser um desafio cotidiano nas câmaras municipais, assembleias legislativas e outros âmbitos políticos do país. Discursos que destacam a orientação sexual ou a identidade de gênero de representantes LGBTQIA+ ainda são rotineiros, lembrando a todos sobre a luta que ainda permanece para garantir respeito e igualdade.
Casos de discriminação revelam resistência à mudança
A representatividade, embora crescente, não impediu que casos de discriminação se destacassem nas notícias. Recentemente, um caso ganhou notoriedade na Corregedoria da Câmara de São Paulo. A vereadora Amanda Paschoal (PSOL), que se identifica como transexual, está pedindo a cassação do vereador Lucas Pavanato (PL) por quebra de decoro parlamentar. Pavanato ofendeu Amanda utilizando um discurso transfóbico ao afirmar que ela era “biologicamente homem” durante uma sessão. Este caso demonstra a necessidade urgente de medidas claras contra a discriminação em ambientes políticos, onde o respeito deve ser a norma.
A análise do caso de Amanda Paschoal deve ser retomada na próxima semana, mas as bancadas do PL e de outros partidos que compõem a direita estão se articulando com o intuito de arquivar a denúncia. Para Amanda, as falas ofensivas refletem uma mentalidade que naturaliza a homofobia e a transfobia. “Essas falas atacando uma característica minha não seriam aceitáveis com nenhum outro vereador,” afirmou Paschoal, enfatizando a necessidade de uma mudança na percepção e na conduta dos representantes.
Desafios enfrentados por outros políticos LGBTQIA+
Além do caso de Amanda, outras situações alarmantes surgem em diferentes estados. No Rio Grande do Sul, o presidente da Câmara de Vereadores de Vacaria, Edimar Biazzi (PL), foi indiciado pela Polícia Civil por praticar homofobia contra o governador Eduardo Leite (PSD). Biazzi disse que “poderia chamar Eduardo Leite de veado sem problema nenhum”, um exemplo claro de discriminação que persiste nas esferas de poder.
Outro relato impactante foi o de Rafael Freire (PSB), reeleito prefeito de Alpinópolis (MG) após enfrentar ataques pessoais durante sua campanha. Ele contou sobre uma fake news que circulava a respeito de um suposto relacionamento que nunca existiu, além de campanhas de difamação utilizando até mesmo inteligência artificial para gerar conteúdo homofóbico. Freire destacou a importância de combater essas práticas, que visam deslegitimar a presença de políticos LGBTQIA+ e perpetuar o preconceito na sociedade.
A representatividade ainda é insuficiente
Apesar do aumento da representação nas eleições, o percentual de candidatos LGBTQIA+ continua baixo. Em 2024, apenas 3.357 pessoas se declararam gays, lésbicas, bissexuais, assexuais, pansexuais ou trans, um aumento significativo em relação a 2020, mas ainda representando apenas 0,52% do total de candidaturas oficializadas. Essa sub-representação indica que, na prática, a diversidade ainda não é verdadeiramente refletida nas instâncias eleitorais.
Conforme ressaltou Freire, “nossa voz ainda é muito restrita”, e mesmo partidos considerados progressistas possuem uma visão limitada sobre questões LGBTQIA+. Ele enfatizou também que, embora a nova geração esteja mais disposta a debater tópicos como racismo e homofobia, essa disposição precisa ser traduzida em ações concretas dentro das estruturas partidárias. “A mudança precisa vir de dentro”, finalizou.
Consequências jurídicas para discursos de ódio
Recentemente, a Justiça do Distrito Federal condenou o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) a pagar R$ 200 mil em danos morais por declarações transfóbicas proferidas durante o Dia Internacional da Mulher em 2023. Durante seu discurso na Câmara, ele utilizou uma peruca e alegou estar se sentindo “Nikole”, afirmando que as mulheres estavam “perdendo espaço” para mulheres trans. Este caso é um exemplo de como a esfera pública deve ser responsabilidade de todos, e a justiça tem um papel fundamental na proteção contra discursos que incitam ódio.
O aumento da representatividade LGBTQIA+ na política brasileira é indiscutível, mas a luta contra a discriminação ainda é uma prioridade. Os desafios enfrentados por esses representantes evidenciam que a mudança cultural e a proteção legal precisam avançar de forma integrada, garantindo que a diversidade seja respeitada e valorizada em todos os níveis da governance.