A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) se tornou o epicentro de um escândalo de espionagem que expõe o uso indevido de sua estrutura e servidores para monitorar uma vasta gama de alvos, incluindo políticos, jornalistas e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A revelação, feita pelo jornal O GLOBO em março de 2023, destacou a atuação de um grupo, liderado por Alexandre Ramagem, que utilizou a ferramenta FirstMile para rastrear a localização de adversários políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Indiciamentos e repercussões
Recentemente, a Polícia Federal (PF) indiciou Jair Bolsonaro, o ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem, o vereador Carlos Bolsonaro, e mais de 30 pessoas. A investigação analisou como a Abin foi utilizada para espionagem e disseminação de informações falsas relacionadas ao sistema eleitoral. Este caso levanta questões sérias sobre a integridade das instituições democráticas no Brasil.
A Abin foi fundada em 1999, com a missão de fornecer informações estratégicas ao presidente da República e a seus ministros, além de realizar análises sobre ameaças à segurança nacional, como terrorismo e contraespionagem. Contudo, entre 2016 e 2023, a agência esteve sob o comando do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que era presidido pelo general Augusto Heleno durante o governo Bolsonaro.
Monitoração clandestina e uso do FirstMile
A prática de espionagem envolvia o monitoramento de alta elevada de alvos, incluindo membros do Judiciário e os próprios jornalistas. Em março do ano passado, foi revelado que a coleta de dados se dava através da interligação entre celulares e antenas de telefonia, permitindo a identificação da localização de um indivíduo sem necessidade de autorização judicial.
O sistema FirstMile, que potencializou essa vigilância, foi desenvolvido pela empresa israelense Cognyte e adquirido pela Abin em um contrato de R$ 5,7 milhões, por meio de um processo de dispensa de licitação no fim de 2018. Essa ferramenta permitia, através da simples inserção do número de celular, rastrear a localização das pessoas, podendo consultar até 10 mil números em um único ano.
Produção de dossiês sobre inimigos políticos
A investigação da PF constatou que a Abin não apenas atuou clandestinamente, mas também produziu dossiês de forma ilegal, visando expor e desacreditar adversários políticos. Um dos objetivos era proteger o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso conhecido como “rachadinha”. A atuação da Abin para proteger outros familiares de Jair Bolsonaro, como o vereador Jair Renan Bolsonaro, também foi investigada, especialmente em um caso de presunto tráfico de influência.
Renan e seus associados estavam envolvidos na abertura de um escritório de agenciamento no estádio Mané Garrincha, em Brasília. Durante a investigação, foram levantadas preocupações sobre um carro elétrico de R$ 90 mil recebidos de um empresário, o que leva a suspeitas sobre possíveis conluíos para obter favores do governo.
Flagrante da Polícia Militar e implicações futuras
O escândalo ganhou mais notoriedade quando um membro da Abin foi abordado pela Polícia Militar do Distrito Federal dentro do estacionamento de um ex-sócio de Renan Bolsonaro. Ao ser questionado, o agente admitiu que sua missão era coletar informações sobre um veículo, tarefa que supostamente fora solicitada por um auxiliar de Ramagem.
As implicações deste caso têm potencial para reverberar na política brasileira por longo tempo. A Abin, como órgão responsável pela segurança do Estado, não deve ser utilizada para interesses pessoais ou para vigilância de adversários. As esferas da justiça e da política observam este caso atentamente, dado que ele pode redefinir a relação entre instituições e a própria democracia no Brasil.
O desdobramento deste escândalo revelará se será possível restaurar a confiança nas instituições brasileiras e garantir que mecanismos de controle sejam implementados para evitar abusos de poder similares no futuro.