O filme “Anora”, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, tem conquistado reconhecimento com cinco Oscars nesta temporada. A história, sobre uma stripper que se casa com um herdeiro russo, recebeu elogios pela produção e representação da indústria, com consultas feitas por trabalhadoras sexuais. Contudo, a opinião de quem vive o dia a dia dessas profissionais revela uma perspectiva diferente, marcada por aspectos de realidade e frustrações.
Reações de uma trabalhadora sexual ao retrato em “Anora”
Emma*, uma acompanhante e dançarina de Manhattan, de 25 anos, compartilhou suas impressões após assistir ao filme. Segundo ela, muitas cenas iniciais relacionadas ao ambiente de boate parecem “extremamente reais”, o que a fez inicialmente acreditar na fidelidade do retrato. “Quando assisti às primeiras cenas, achei que era uma descrição exata porque parecia que eu tava no trabalho”, ela explicou.
No entanto, Emma destacou pontos que a incomodaram profundamente, especialmente nos momentos em que a personagem Ani, interpretada por Madison, demonstra dependência emocional e fantasia de um relacionamento amoroso. “Fiquei muito triste ao ver ela acreditando que o relacionamento com Vanya tinha futuro, mesmo sabendo que ela não poderia confiar totalmente nele, porque aqui, na nossa rotina, ninguém é insubstituível”, afirmou.
Por que o filme desagrada Emma
Ela salientou que muitos comportamentos exibidos, como a comemoração das colegas de clube pela felicidade de Ani por estar engajada, não refletem a cultura do ambiente. “No meu trabalho, ninguém quer dependência de ninguém além de si própria. A gente faz um esforço grande para ser independente”, ela afirmou. Emma também criticou a representação de Ani como alguém extremamente sexualizada após o casamento, argumentando que isso reforça uma fantasia masculina de submissão e desejo constante.
“Quando ela continua atuando como mulher altamente sexualizada, parece que o filme reforça a ideia de que essa mulher está sempre disponível, sempre ‘horny’, mesmo fora do trabalho”, criticou. Além disso, Emma notou que a personagem demonstra uma suposta ingenuidade, como se acreditasse que o relacionamento com um cliente contasse com algum tipo de verdade, o que ela insiste ser uma ilusão comum na indústria.
O impacto da representação na percepção social
Para Emma, a narrativa do filme reforça uma ideia distorcida de como é a vida de quem trabalha com sexo remunerado. “As pessoas acabam pensando que nós somos todas vítimas, que é um universo cheio de dores e sofrimentos, quando na verdade, muitas de nós buscamos independência e autonomia”, ela explicou. Emma contou que uma preocupação frequente é com os homens jovens, que chegam ao ambiente pensando que podem conquistar alguém com dinheiro ou beleza, confundindo a relação de trabalho com sentimentos genuínos.
“Tem toda uma cultura de jovens homens que entram no clube com expectativas de algo mais, achando que podem se apaixonar ou conquistar a gente além do serviço”, ela afirmou. Para ela, o filme retrata uma fantasia que é estimulada por interesses de Hollywood e da mídia, que lucram com estigmas e emoções manipuladas.
Reflexões finais sobre a narrativa de “Anora”
Emma encerrou comentando que, na sua experiência, o sofrimento real no setor não vem de sexualidade, mas de insegurança financeira e de ser subestimada na sociedade. “Minha dor vem de não ser levada a sério, de não ter estabilidade, e não de uma narrativa romântica ou sexual”, ela afirmou. Por isso, ela considera que o filme poderia ter terminado de forma diferente: ao invés de destacar o amor ou o sofrimento, talvez uma cena de ela jogando fora o telefone de Igor — personagem masculino — fosse uma mensagem mais autêntica.
“O que é vendido como representação verdadeira é, na realidade, uma fantasia de homens que lucram com nossa imagem e sofrimento, fazendo parecer que nossa dor é o que dá valor ao filme”, concluiu Emma, reforçando a importância de ouvir vozes que vivem a realidade da indústria do sexo.
*Nome fictício para preservar o anonimato.