Brasil, 14 de junho de 2025
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“Isso me deixou muito nervosa”: reação de uma sex worker a “Anora” e suas reflexões

Desde o lançamento de “Anora”, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, a reação de profissionais do sexo tem sido diversa. Apesar de o filme ter sido elogiado por sua produção e por contar com consultores da comunidade, muitas dessas trabalhadoras criticaram a forma como a narrativa retrata a profissão e seus desafios.

Reação de uma prostituta diante da ficção e da realidade

Emma, uma acompanhante e dançarina de Manhattan de 25 anos, explicou que, ao assistir às cenas iniciais do filme, sentiu que elas refletiam verdadeiramente o ambiente do clube. “Quando assisti ao começo, fiquei imediatamente entediada — uma sensação que, para mim, significa que a cena era autêntica, porque parecia estar no meu local de trabalho”, contou. No entanto, ela alertou que a narrativa se desvirtuou em certos aspectos.

Desafios com a ideia de dependência emocional e financeiro

Emma destacou que, na sua experiência, o relacionamento com clientes é claramente dividido entre trabalho e vida pessoal. “Se a mulher continua na profissão, é porque ela escolheu essa rotina por motivos financeiros e de independência. Nenhuma colega minha pensaria em se apegar emocionalmente a alguém que acabou de conhecer na rua”, afirmou.

Ela também criticou a cena em que a personagem Ani, do filme, celebra seu noivado com Vanya, sem questionar se ela realmente deveria confiar naquele homem. “Nas minhas experiências, ninguém que trabalha na rua confia facilmente na boa vontade dos clientes, especialmente quando eles querem que a gente abandone nossa autonomia”, disse.

Percepções sobre a representação da personagem Ani

Para Emma, a personagem de Madison apresenta uma sexualidade excessiva, quase como uma fantasia masculina. “Quando ela passa a agir de modo tão hipersexual, parece que o filme tenta criar um estereótipo de que a mulher na rua deve ser sempre ‘daquele jeito’, como se fosse uma imagem idealizada do que o homem espera”, avaliou. Segundo ela, essa representação reforça a ideia de que a prostituta está sempre disponível e sedutora, o que não corresponde à realidade.

Ela apontou que, na vida real, após o trabalho, as profissionais costumam querer manter uma certa distância daquele personagem performático. “A gente troca a persona no trabalho por uma rotina mais tranquila na nossa vida pessoal”, explicou. “Se Ani realmente fosse uma profissional, ela precisaria abandonar essa fachada todo o tempo, o que não foi mostrado no filme.”

Crítica ao romantismo e à idealização do amor

Emma ficou incomodada com a narrativa ao mostrar Ani se apaixonando por Vanya, especialmente porque ela acredita que essa ligação é uma ilusão. “Ela acha que o amor vai salvar ela, mas na verdade ela só está acreditando na fantasia de alguém que acaba de conhecê-la”, opinou. A profissional também ressaltou que essa dinâmica reforça a ideia de que as mulheres do sexo podem se apegar emocionalmente a clientes, o que ela afirma ser uma percepção equivocada.

Reflexões sobre o fim da história e sua mensagem

Ela também criticou o final do filme, no carro, que retrata uma cena de dor emocional. Para Emma, a narrativa reforça um estereótipo perigoso, pois sugere que sofrimento e sexualidade caminham juntos na profissão. “A minha dor não vem da sexualidade, mas de questões como insegurança financeira e pouca valorização”, revelou. Ela afirmou que gostaria que a história tivesse acabado de uma forma diferente, como a personagem jogando o número de Igor fora, mostrando sua autonomia.

Impacto social e desmistificação

Emma acredita que “Anora” reforça uma imagem distorcida de que o sexo e a dinheiro estão sempre ligados ao sofrimento ou à vulnerabilidade. “As pessoas lucram com a fantasia do homem de que a mulher precisa dele para ser feliz, e isso é um erro”, afirmou. Para ela, essa representação alimenta estereótipos prejudiciais e perpetua a ideia de que as trabalhadoras do sexo vivem constantemente em crise ou trauma emocional.

Considerações finais: a importância do diálogo autêntico

A profissional enfatiza que a comunidade de trabalhadores do sexo tem muito a contribuir com narrativas mais realistas e não idealizadas. “O que me mantém na profissão são as colegas — mulheres inteligentes, fortes, que sabem o que querem. Essas histórias precisam ser ditas e ouvidas”, concluiu. Emma lamenta que, muitas vezes, o que é mostrado na mídia é uma fantasia que desfruta do sofrimento alheio, desligado da complexidade da experiência diária dessas mulheres.

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