A guerra comercial liderada pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não é apenas uma estratégia política, mas um reflexo de uma mudança estrutural na sociedade americana, afirma Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Para ele, a fase de liberalização do comércio já apresentava fissuras, sendo contestada nas últimas eleições norte-americanas, marcando uma nova fase de questionamento da globalização.
A continuidade da política tarifária de Trump e seus impactos
De acordo com Stuenkel, a insistência de Trump nas tarifas comerciais é coerente com seu posicionamento de décadas. “Trump está sendo coerente, ele defende as tarifas há décadas”, afirma o especialista, ressaltando que a disputa com a China continuará a definir as políticas comerciais americanas, mesmo que um futuro presidente seja um democrata. Essa postura reflete uma transformação mais ampla na sociedade americana, que questiona o modelo de globalização vigente.
Ele explica ainda que a política tarifária não estava nos planos iniciais do ex-presidente, mas reflete uma mudança de postura em relação ao comércio internacional, impulsionada por fatores internos e por uma crescente desconfiança com os acordos comerciais tradicionais. Segundo o especialista, a resistência das elites tradicionais foi se consolidando ao longo do tempo, culminando na eleição de Trump, que expressou esse sentimento protecionista.
Reações internas e o papel do Congresso
Stuenkel aponta que Trump recuou várias vezes em suas ações comerciais, influenciado por vozes do mercado e pela pressão de deputados do Partido Republicano, eleitos pelas bases eleitorais que podem sofrer o impacto de uma recessão ou inflação elevada. “Ele é suscetível às vozes do mercado e à pressão do Congresso, que pode tentar limitar seu poder de conduzir a política tarifária”, explica.
Apesar disso, o especialista destaca que as políticas tarifárias sempre fizeram parte do discurso de Trump, que acumula décadas defendendo essas medidas. Ele fala das tarifas na campanha de 2016 e reforça que, durante seu mandato, atuou de forma coerente com esse posicionamento, legitimando sua estratégia na vontade popular que o elegeu.
O cenário global e o alinhamento do Brasil
Segundo Stuenkel, a política externa dos EUA sob Trump e, posteriormente, a sua continuidade, pode levar o Brasil a fortalecer alianças com países do Sul Global, como China, Índia e Indonésia. “O Brasil vem agindo de forma cautelosa, voando abaixo do radar, para evitar confrontos diretos com os EUA”, afirma. Ainda assim, o país e outras nações precisam se preparar para a possibilidade de aumento de tarifas e de uma guerra comercial prolongada, principalmente contra a China, que já é seu principal parceiro comercial.
O especialista destaca a vulnerabilidade estratégica do Brasil, que mantém relações civis e militares com diferentes polos de poder, mas enfrenta limites na dependência dos EUA em setores críticos de defesa e tecnologia. “Precisamos diversificar nossos parceiros e ampliar nossa resiliência geopolítica”, reforça.
Possíveis repercussões para o alinhamento internacional
Stuenkel analisa que a tendência global é uma multiplicação de parcerias, embora poucos países estejam dispostos a se afastar totalmente dos EUA. A aproximação com a Europa, Índia e Indonésia está em curso, enquanto o reforço do bloco do BRICS é limitado por divisões internas, como a resistência de países africanos em aceitar o papel do Brasil, África do Sul e Índia no Conselho de Segurança da ONU.
Ele também aponta que o acordo Mercosul-União Europeia necessita ser acelerado, pois sua não concretização colocaria em risco a influência diplomática da região. “Se não avançar agora, dificilmente acontecerá futuramente”, avisa.
Perspectivas para o futuro do protecionismo e da influência dos EUA
Quanto ao impacto das políticas de Trump na influência global dos Estados Unidos, Stuenkel assinala que seu maior poder reside na capacidade de atrair talentos e criar um ambiente de inovação e capitalização. “Fechar as portas seria um retrocesso na competitividade americana”, avalia.
Ele contextualiza que o protecionismo não começou com Trump, tendo raízes no início do século XIX e nas décadas anteriores, refletindo um ceticismo crescente em relação à globalização. A mudança de postura do Partido Republicano, agora mais nacionalista e isolacionista, marca uma transformação na política doméstica norte-americana, que impacta também o posicionamento da sociedade.
Cenário de instabilidade e a estratégia brasileira
Para Oliver Stuenkel, a estratégia do Brasil de manter-se distante das tensions geopolíticas é prudente, pois as tensões globais podem mudar rapidamente o cenário de atenção de Washington sobre a América do Sul. Segundo ele, o país deve estar preparado para eventual aumento de tarifas ou outras pressões econômicas, mas sua atual postura de prudência é a mais adequada frente ao momento global.
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