Desde a primeira eleição de Donald Trump, uma forte corrente da extrema direita americana começou a estabelecer conexões internacionais, especialmente com movimentos políticos na América Latina, como o bolsonarismo no Brasil. Este fenômeno tem gerado intensos debates e análises sobre como essas interações estão moldando o cenário político atual e as agendas conservadoras que se espalham pelo continente.
A relação entre bolsonarismo e trumpismo
Segundo especialistas, a figura de Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, é central na construção dessa ponte entre o bolsonarismo e o trumpismo. Guilherme Casarões, professor da Fundação Getúlio Vargas, ressalta que, desde a campanha de 2018, a ideia de um alinhamento do bolsonarismo com o trumpismo já era identificada. “Eduardo Bolsonaro foi um dos principais interlocutores desse relacionamento desde antes da eleição de seu pai”, afirma Casarões.
Logo após a vitória de Jair Bolsonaro, Eduardo e outros aliados buscaram se encontrar com Steve Bannon, o estrategista que ajudou Trump em sua campanha. Essa movimentação tinha o objetivo de “consolidar e instrumentalizar” a relação do bolsonarismo com a extrema direita americana, enfatiza Casarões. O intuito não era acionar a Casa Branca para melhorar condições no Brasil, mas sim validar narrativas que já eram promovidas localmente, como uma suposta perseguição aos conservadores e a ideia de uma “ditadura do Judiciário”.
Uma internacional da direita
A crescente articulação entre esses movimentos de direita revela a formação do que tem sido denominado de “Internacional de Direita”. Ana Carolina Marsicano, pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco, explica que essa corrente não envolve apenas a convergência de agendas entre católicos, evangélicos e ateus, mas também uma performance autoritária e ultraconservadora que se intensifica nas redes sociais. “A polarização social é alimentada por uma combinação de interesses que vai além da política”, ressalta Marsicano.
Além das pautas políticas, a coletividade religiosa desempenha um papel crucial nesse cenário, atuando como um centro de mobilização e arrecadação de recursos. Associações e grupos religiosos nos EUA, especialmente na Flórida, têm promovido eventos que visam engajar a extensa comunidade brasileira nos Estados Unidos. Essa conexão vai além do âmbito político, envolvendo um trabalho de base no campo assistencial e educacional.
Redes sociais e desinformação
Para manter sua base de apoio, o bolsonarismo tem utilizado a desinformação como estratégia. Casarões aponta que a narrativa de uma suposta perseguição judicial tem grande apelo entre os apoiadores do ex-presidente, mesmo diante de sua inelegibilidade. “Essa narrativa, que também se arma a partir das ideias que circulam nos EUA, alimenta a polarização e estimula a distribuição de fake news”, explica. O fenômeno das redes sociais fornece um espaço fértil para essas mensagens, permitindo que elas se espalhem com rapidez e eficácia.
A influência americana no Brasil
A relação com o trumpismo tem permitido ao bolsonarismo articular um novo contexto político no Brasil, desafiando as regulações do sistema democrático. A influência americana tem se mostrado benéfica para certos segmentos da elite política e econômica brasileira, que se beneficiam de um clima menos regulamentado em termos de redes sociais e liberdade de expressão. Nesse sentido, figuras como Paulo Figueiredo e Allan dos Santos se tornaram intermediários importantes nessa conexão.
A aproximação com o governo americano, portanto, se revela uma estratégia para fortalecer a posição política do bolsonarismo frente aos desafios internos. Além disso, a crescente polarização e radicalização favorecem um discurso unificado capaz de unir diversas frentes conservadoras no Brasil e em outros países latino-americanos.
O futuro da extrema direita
No entanto, embora o bolsonarismo tenha apostado alto na aproximação com o trumpismo, essa estratégia não é isenta de riscos. Em alguns casos, a extrema direita global tem adotado uma abordagem mais cautelosa em relação a Trump, visto que suas políticas e retóricas podem ser percebidas como radicais demais, mesmo para os conservadores. Em países como a Argentina, Javier Milei, por exemplo, tem procurado estabilizar seu discurso, distanciando-se do extremismo.
Para os analistas, a questão que se coloca é até onde essas interações poderão sustentar e fortalecer movimentos de extrema direita nos próximos anos, especialmente nas eleições de 2026 no Brasil. As estruturas de apoio, tanto em termos de financiamento quanto de mobilização, parecem permanecer robustas, mas a eficácia desse alinhamento dependerá da capacidade de esses movimentos serem aceitos e legitimados tanto local quanto internacionalmente.
O cenário político continua dinâmico, e a internacionalização da extrema direita pode trazer novas mudanças significativas nas relações entre Brasil e Estados Unidos, ao mesmo tempo em que modifica a própria configuração interna do debate político brasileiro.