A crise provocada pelos descontos fraudulentos em aposentadorias e pensões do INSS segue provocando atritos no governo uma semana após a queda de Carlos Lupi do Ministério da Previdência. Além da troca de farpas entre os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Vinicius Carvalho (Controladoria-Geral da União), uma reunião no Palácio do Planalto em que o escândalo foi discutido teve cobranças da Casa Civil à Fazenda e broncas a respeito de posicionamentos públicos de integrantes da gestão.
A tensão no governo federal
A tensão entre os ministros é explicada pelo desgaste que o esquema revelado pela Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) vem causando ao mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O encontro na quarta-feira teve a presença de Carvalho e dos ministros Sidônio Palmeira (Comunicação Social), Wolney Queiroz (Previdência Social), da secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, e do presidente do INSS, Gilberto Waller Junior. Em viagem à Rússia, Lula não participou. Nesta reunião, foram discutidas as medidas anunciadas na quinta-feira.
Solicitações de ressarcimento
De acordo com relatos dos presentes, Miriam Belchior indagou de forma dura os colegas sobre as notícias de que o governo usaria dinheiro do Orçamento para ressarcir os aposentados lesados. Ainda segundo essas informações, ela fez questionamentos sobre quem teria vazado essa possibilidade, gerando constrangimentos. A ideia do Planalto é usar dinheiro do Tesouro para ressarcimentos somente em último caso, apesar de a forma exata de como fazer isso ainda não ter sido encontrada.
A número dois da Casa Civil, que também reclamou com Waller Junior sobre seus posicionamentos públicos, ainda relatou aos colegas ter dado uma chamada no secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, por ele ter defendido em entrevista que os recursos com potencial de serem remanejados para fazer o ressarcimento devem ser do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e das emendas parlamentares.
Reunião e acusações entre ministros
A reunião durou três horas, e Rui Costa participou da parte final. Em uma das suas intervenções, ele disse que o escândalo deixava todos em situação difícil, com exceção do presidente do INSS, que foi nomeado na semana passada e não trabalhava na autarquia no momento em que os descontos indevidos aconteceram, e do ministro da CGU, cuja pasta atuou na revelação das fraudes. O chefe da Casa Civil não incluiu no grupo Wolney Queiroz, que foi nomeado para a Previdência na semana passada, mas antes era o número 2 da pasta.
Costa, no entanto, como mostrou O GLOBO, disse mais tarde que a CGU falhou ao não fazer os alertas devidos assim que as primeiras apurações apareceram e que o governo perdeu uma chance de enfrentar as fraudes mais cedo, evitando que a crise se abatesse sobre a gestão de Lula. A declaração desagradou Carvalho e Sidônio, que foi a campo tentar alinhar o discurso entre os ministros. Na quinta-feira pela manhã, Costa procurou o ministro da CGU e disse que não o criticou diretamente, mas questionou por que não foi informado sobre a extensão da fraude anteriormente.
Conflitos e estratégias no Planalto
Diante do desalinho, coube a Sidônio tentar abafar o conflito entre integrantes do governo. Aliado de Costa, o marqueteiro vinha, desde terça-feira, desenhando uma estratégia de reação do governo à crise do INSS. No entanto, foi pego de surpresa pela declaração do ministro da Casa Civil, vista como um tiro no pé do Planalto em meio a um cenário de disputa com a oposição. A aliados, reconheceu que não era o momento de desgastar mais um integrante da Esplanada e, sim, “hora de olhar para frente”. Na quinta-feira, Carvalho defendeu a atuação da CGU.
— Muitas vezes, a atividade de prevenção vira repressão porque identifica o problema e tem que atuar. Tinha um crime sendo cometido contra os aposentados brasileiros. Nada mais natural que, nessas horas, a CGU atue com a Polícia Federal.
O mesmo evento no Planalto em que as medidas foram anunciadas serviu de canal para o governo levar adiante parte de sua estratégia, que consiste em tentar desvincular a crise da atual gestão e empurrar a culpa para a administração do ex-presidente Jair Bolsonaro. O advogado-geral da União, Jorge Messias, insinuou a ligação, mencionando ataques de opositores à gestão atual, como o deputado Nikolas Ferreira.
Mobilização para defesa do governo
A reação ao vídeo do parlamentar bolsonarista gerou preocupação no Planalto pelo alcance, pois teve até 132 milhões de visualizações até quinta-feira. Para reforçar o braço digital do plano de reação, o Planalto escalou um grupo de parlamentares para confrontarem Nikolas. O governo pediu aos deputados Pedro Campos (PSB-PE), Guilherme Boulos (PSOL-SP), Alencar Santana (PT-SP), Rogério Corrêa (PT-MG), Paulo Pimenta (PT-RS), Orlando Silva (PCdoB-SP) e Lindbergh Farias (PT-RJ) para gravarem vídeos contestando as acusações que atribuem ao governo a culpa do escândalo.
A reunião de emergência ocorreu no gabinete da ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, e reuniu Sidônio, Wolney e Carvalho. Durante o encontro, os integrantes do governo ouviram reclamações sobre a necessidade de um posicionamento mais firme do Planalto. Eles argumentaram que a população não tem conhecimento de que órgãos como CGU e Polícia Federal são vinculados ao Executivo e que foram responsáveis por desvendar o esquema.
Parlamentares avaliam que o governo não tem uma ação organizada de resposta e que não deu subsídios à base aliada com informações para rebater as críticas da oposição. Por isso, temem um estrago maior na popularidade de Lula do que no caso do Pix. No entanto, esforços estão sendo feitos para enviar um material compilado sobre o tema, incluindo uma linha do tempo e um passo a passo do que aconteceu.