Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que pode aumentar de 513 para 531 o número de cadeiras federais. Se confirmado pelo Senado, essa mudança terá um impacto direto e imediato nas Assembleias Legislativas de pelo menos nove estados, resultando na criação de 30 novas vagas de deputados estaduais. Segundo um levantamento do jornal O Globo, o efeito financeiro anual dessa alteração pode ultrapassar R$ 75 milhões nos cofres públicos estaduais.
Efeito cascata nas Assembleias Legislativas
O modelo de organização das cadeiras estabelece que o número de deputados estaduais deve ser o triplo da bancada federal, com um máximo de 36 representantes. Quando esse limite é alcançado, novos deputados federais geram automaticamente novos assentos nas Assembleias. Além disso, estados como Amazonas, Mato Grosso e Rio Grande do Norte devem ganhar seis novas vagas, enquanto Pará e Santa Catarina terão quatro. Já Minas Gerais, Ceará, Goiás e Paraná receberão um incremento de um deputado cada.
Thiago Varela, professor de Direito Constitucional da PUC-Rio, esclarece que “não precisa de lei porque o artigo 27 da Constituição já coloca a fórmula para cálculo do número de deputados estaduais, de acordo com os federais. Aumentando os federais, os estaduais seguem o fluxo”. Essa explicação destaca o caráter automático do processo, que avança sem necesidade de novas legislações.
Impactos financeiros e questionamentos
A previsão de um impacto financeiro de R$ 64,6 milhões para as despesas anuais foi apresentada pelo relator do projeto, Damião Feliciano (União-PB). Ele acredita que esse valor pode ser compensado através de remanejamentos de recursos já disponíveis no orçamento. Entretanto, especialistas levantam preocupações sobre a pertinência da proposta. O aumento de deputados não traz necessariamente benefícios em termos de representatividade ou eficiência legislativa, mas dividas em estados como Minas Gerais, que gera uma dívida de R$ 165 bilhões com a União, e Goiás, com R$ 17 bilhões, reforçam a necessidade de cautela.
O custo médio de cada deputado estadual varia, e com a inclusão de novos parlamentares, há ainda o acompanhamento da criação de cargos comissionados, que geralmente superam 20 por deputado na maioria dos estados. O Rio Grande do Norte, por exemplo, enfrentará um impacto financeiro de R$ 19,6 milhões, representando quase 78% do orçamento do município de Umarizal, em contraste com os R$ 2,5 milhões estimados para Minas Gerais, Paraná e Ceará. Essa diferença suscita debates sobre a prioridade de aumentar as despesas públicas em um momento de crise e contenção de gastos.
Divisão de opiniões na classe política
A proposta gerou divisões entre os presidentes das Assembleias. O presidente da Assembleia do Amazonas, Roberto Cidade, opinou que o aumento de seis vagas trará um aumento de debates e ideias. Por outro lado, Max Russi, presidente da Assembleia de Mato Grosso, expressou sua discordância, argumentando que não há necessidade para tal aumento.
Curiosamente, a Câmara viu votação maciça em favor do projeto de lei, com 270 votos a favor e apenas 207 contra, embora alguns estados se beneficiassem diretamente da nova estrutura. Estados como a Paraíba, onde o presidente da Câmara, Hugo Motta, é representante, também se mobilizaram a favor do projeto para não perder espaço.
Reações da sociedade e dos parlamentares
O projeto não foi bem recebido por todos os segmentos. Muitos parlamentares de São Paulo, que não serão contemplados com novas cadeiras e têm um número máximo estabelecido de 70 deputados, criticaram o aumento de despesas, considerando o projeto como “irresponsabilidade pura”. Caroline de Toni, de Santa Catarina, que votou contra a proposta, condenou a velocidade da votação e defendeu que questões mais urgentes, como a investigação de fraudes no INSS, deveriam ser priorizadas.
A ampliação das bancadas, conforme apontam analistas, poderá não atender aos anseios da sociedade, já que tende a gerar mais custos sem garantir efetividade. Na avaliação da pesquisadora Mayra Goulart, da UFRJ, “o aumento dos deputados não resulta em melhoria na representatividade ou na eficiência do Legislativo”, e esses ajustes não refletem as necessidades reais da população.
À medida que a discussão se intensifica, a proposta continua a suscitar opiniões divergentes. Enquanto alguns veem nela uma oportunidade para ampliar o debate no legislativo, outros questionam a lógica de aumento em tempos de crise e necessidade de contenção. O desfecho dessa questão se desenha no panorama político e financeiro do Brasil, revelando tensões entre governança, responsabilidade fiscal e a voz da cidadania.