Na última quinta-feira (18/12), o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento que considerou inconstitucionais partes da lei que estabelece o Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. Com o placar de 9 a 1, a decisão impede a aplicação do critério que condicionava o reconhecimento de terras indígenas à sua ocupação ou disputa em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
Desdobramentos do julgamento
O único ministro a divergir da maioria foi André Mendonça, que, embora tenha acompanhado grande parte do voto do relator Gilmar Mendes, defendeu a permanência da regra que considera a data de 1988 como referência para o reconhecimento dos direitos dos indígenas sobre seus territórios. A posição do ministro sugere que a aplicação do marco temporal garantirá mais segurança jurídica, apesar das críticas que essa regra tem recebido.
“Nesse sentido, pedindo vênias às posições em sentido contrário, acompanho o eminente Relator, Ministro Gilmar Mendes, ressalvadas apenas as conclusões contidas nos itens 6.2, ‘a’ e ‘k’ do voto de Sua Excelência”, destacou Mendonça em seu voto. Os ministros Nunes Marques também seguiu o relator, inscrevendo sua concordância com a decisão.
Importância dos direitos indígenas
A ministra Cármen Lúcia, em seu pronunciamento, enfatizou que os direitos indígenas são, de fato, direitos fundamentais, e ressaltou que a constitucionalização desses direitos impede retrocessos, mesmo que através de emendas constitucionais. Essa perspectiva reflete uma mudança significativa na forma como os direitos dos povos indígenas são percebidos e tratados no Brasil.
O presidente do STF, Edson Fachin, corroborou essa visão ao afirmar que a função do Supremo é proteger os direitos fundamentais de populações que foram historicamente marginalizadas, como os povos indígenas. “Este Supremo Tribunal Federal atuou no legítimo campo de sua função contramajoritária, na concretização da melhor exegese quanto à proteção dos direitos fundamentais de uma minoria, no caso, os povos indígenas, historicamente vulnerabilizados”, escreveu Fachin.
A análise crítica do marco temporal
O julgamento ocorreu em um ambiente virtual e abrangeu os processos ADC 87, ADI 7.582, ADI 7.583 e ADI 7.586, todos relacionados a diferentes aspectos da lei instaurada. A chamada tese do Marco Temporal, que previa que apenas terras ocupadas ou disputadas por indígenas até 1988 poderiam ser reivindicadas, foi duramente criticada durante o julgamento. A decisão do STF, que declarou essa tese inconstitucional, representa um marco importante na luta pela demarcação de terras indígenas e pelo reconhecimento dos direitos desses povos.
Durante sua argumentação, o relator Gilmar Mendes reafirmou que a norma era desproporcional e não conferia segurança jurídica às comunidades, especialmente às que não possuíam documentação formal de ocupação. Mendes destacou que essa exigência impunha uma prova praticamente impossível para muitos indígenas, dificultando ainda mais a reivindicação de seus direitos territoriais.
Implicações futuras
A decisão do STF deverá ter implicações significativas sobre como os territórios indígenas serão demarcados no Brasil, permitindo uma flexibilização das exigências que antes eram consideradas obstáculos insuperáveis. Isso poderá facilitar a luta dos povos indígenas pela preservação de suas terras e direitos, incluindo a valorização de sua cultura e modo de vida.
Além disso, essa mudança representa uma evolução na interpretação dos direitos humanos no Brasil, sublinhando a necessidade de proteger aqueles que sofreram por séculos de marginalização e desumanização. A decisão do STF também ecoa os compromissos do Brasil com diversos tratados internacionais que defendem os direitos dos povos indígenas.
Ao final, o julgamento de quinta-feira (18/12) não apenas destrói uma barreira legal que impedia o reconhecimento territorial dos povos indígenas, mas reafirma a função do Estado em garantir a dignidade humana e a justiça social, fundamentais à construção de uma sociedade verdadeiramente inclusiva.

