Nos últimos anos, o uso de cannabis nos Estados Unidos passou por uma transformação significativa, especialmente após a legalização e comercialização do produto. Para muitos, como Miguel Laboy, um aposentado de 75 anos, fumar um baseado pela manhã se tornou uma rotina que ele luta para quebrar. Enquanto Laboy expressa o desejo de não começar o dia dessa forma, ele encontra dificuldade em resistir ao impulso de reacender. “O que me incomoda é ter cannabis na minha mente logo ao acordar”, comenta ele, iluminando a realidade de muitos que, como ele, acabaram se tornando dependentes sem perceber.
A ascensão do uso diário de cannabis e seus riscos
De acordo com dados recentes, o número de usuários diários de cannabis nos EUA superou pela primeira vez o de consumidores diários de álcool, marcando uma mudança significativa nos hábitos americanos. Produtos como vaporizadores de alta potência e extratos que contêm concentrações extremas de THC estão dominando o mercado, e os médicos alertam que os riscos associados ao uso diário podem ser mais abrangentes do que se imagina. Os efeitos dessas substâncias incluem comprometimento da memória, distúrbios do sono, e aumento da ansiedade e depressão.
Muitos usuários relataram não reconhecer os sinais de dependência devido à crença generalizada de que a maconha não é uma substância viciante. Com a transição gradual de um uso terapêutico para um compulsivo, sintomas como neblina mental e irritabilidade podem passar despercebidos.
Como hábitos se transformam em vícios
Numa cidade como Brookline, Massachusetts, Laboy relata que, após sua aposentadoria, ele começou a usar cartuchos de vape com 85% de THC, levando seu uso a um nível compulsivo. Ele começou a ver um conselheiro sobre o uso de substâncias após relatar sentimentos de depressão e solidão. Embora tenha conseguido parar de beber álcool, Laboy enfrenta dificuldades em largar a maconha. Diferente de substâncias como o álcool e opioides, atualmente não existe medicação aprovada pela FDA para tratar a dependência de cannabis, embora pesquisas estejam em andamento.
Laboy, que começou a fumar aos 18 anos, sempre viu a maconha como uma forma de aliviar suas dores associadas ao TDAH não diagnosticado e traumas da infância. No entanto, ele notou que sua capacidade de concentração, uma habilidade que ele desejava aprimorar aprendendo a tocar piano, foi prejudicada. “Esses dias, carrego apenas o meu vape e o meu celular. Não estou orgulhoso disso, mas é a realidade”, reflete Laboy.
Nevoeiro mental se torna “o novo normal”
Outro usuário, Kyle, um estudante universitário de 20 anos, descreve como a cannabis ajudou a controlar suas crises de pânico que começaram no ensino médio. Ele menciona que, enquanto está sob efeito, sente uma clareza que se tornou escassa quando está sóbrio. “Parece que eu conseguia fazer isso melhor um ano atrás. Agora só consigo fazer quando estou chapado, o que é assustador”, relata ele. O nevoeiro mental e a sensação de desconexão tornam-se tão graduais que passam a ser percebidos como parte do cotidiano.
Quando um sonho se transforma em pesadelo
Anne Hassel, que passou um mês presa e um ano em liberdade condicional por cultivar cannabis, se sentiu realizada quando o primeiro dispensário da Califórnia abriu. No entanto, seu trabalho rapidamente se transformou em um pesadelo quando começou a consumir concentrados de 90% de THC. A dependência rapidamente a isolou, fazendo-a perder interesse em atividades que antes eram prazerosas. Anne, que agora se recupera, afirma que é fácil se deixar levar pela euforia da legalização sem perceber os perigos envolvidos.
Apoio e conscientização em comunidades online
Na comunidade online r/leaves, há mais de 380.000 pessoas tentando reduzir ou abandonar o consumo de cannabis. Muitos usuários discutem a luta interna individual entre o desejo de calmaria que a cannabis traz e a sensação de aprisionamento pela neblina mental. A busca por suporte é uma constante, e muitos relatam a degradação em suas ambições e relações pessoais devido ao uso excessivo.
O que os especialistas desejam que os usuários saibam
Médicos enfatizam a necessidade de educação sobre o uso de cannabis, apontando que muitos usuários não estão cientes dos riscos associados ao uso mesmo quando legalizado. O Dr. Jordan Tishler recomenda que, ao considerar o uso de cannabis, é fundamental abordar o tema com responsabilidade e equilíbrio.
Para muitos, a cannabis se apresenta ora como um alívio, ora como um problema, tornando a busca por apoio e tratamento essencial em um mundo onde a legalização foi rapidamente promovida sem uma adequada discussão sobre os riscos e consequências. A conscientização e o suporte emocional serão cruciais para muitos navegarem por esse novo cenário.


