Na última terça-feira (25), o promotor Lincoln Gakiya, um dos principais investigadores do Primeiro Comando da Capital (PCC) no estado de São Paulo, levantou preocupações alarmantes sobre a fragmentação das forças de segurança no Brasil. Durante sua participação na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o Crime Organizado, Gakiya destacou que essa falta de integração pode se tornar um dos maiores obstáculos para o combate ao narcotráfico e à criminalidade organizada no país.
A importância da cooperação entre as instituições
“A gente precisa, de alguma maneira, coisa que eu não vi nesses últimos 34 anos [trabalhando como promotor], encontrar uma forma de que essas forças de segurança atuem de maneira coordenada, integrada, cooperativa e com sinergia”, afirmou o promotor. Gakiya criticou a atual situação, na qual prevalecem disputas institucionais entre as polícias e o Ministério Público (MP), o que compromete a eficiência das operações contra o crime organizado.
Ele elaborou ainda sobre a grave realidade que o Brasil enfrenta, afirmando que o país tem potencial para se tornar um narcoestado caso não haja uma ação efetiva e coordenada. “As facções estão infiltradas na economia formal e têm usado fintechs, bets e criptomoedas para lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio”, alertou.
Desafios da polarização política
Gakiya também fez uma conexão entre a atual polarização política e a dificuldade na integração das forças de segurança. Segundo ele, a divisibilidade entre diferentes governos apenas agrava a situação. “A polarização política que tomou conta deste país, infelizmente, acaba prejudicando ainda mais essa integração”, destacou.
Ele mencionou a Operação Carbono Oculto, que teve como objetivo desarticular esquemas de lavagem de dinheiro do PCC em São Paulo, e enfatizou que essa operação foi mais resultado de iniciativas individuais de servidores do governo do estado do que de uma colaboração estrutural entre as instituições de segurança pública.
Proposta de uma Autoridade Nacional
Visando melhorar essa situação, Gakiya propôs a criação de uma Autoridade Nacional para combater o crime organizado, que incluiria representantes de todas as polícias e órgãos do Estado. Essa medida, segundo ele, poderia ajudar a superar os conflitos institucionais e as disputas entre polícias e ministérios públicos.
“A PF não poderia, na minha opinião, coordenar essas forças-tarefas porque haveria um embate com os estados”, completou o promotor, reafirmando a necessidade de uma abordagem unificada e estruturada para enfrentar o crime organizado.
Caminhos em direção ao narcoestado
Lincoln Gakiya enfatizou que o crescimento de grupos como o PCC coloca o Brasil em direção a um narcoestado, onde a dependência do tráfico de drogas se torna crítica. “Se nada for feito, nós nos tornaremos sim um narcoestado. Porém, temos instituições capazes de fazer frente a isso, mas as disputas institucionais, internas, corporativas e políticas têm atrapalhado”, reiterou.
Ele mencionou como o PCC, atualmente, possui influência em todas as unidades da federação e está presente em pelo menos 28 países. Desde 2010, o grupo viu sua receita saltar deR$ 10 milhões para R$ 10 bilhões anuais. Gakiya destacou casos de empresas controladas pelo PCC que operavam em São Paulo, revelando como a criminalidade organizada se infiltra na economia formal.
Infiltração no sistema financeiro
Uma preocupação crescente do promotor é a maneira como as facções têm acesso ao sistema financeiro por meio de fintechs e apostas online, que podem estar sendo utilizadas para lavagem de dinheiro. “Muitas dessas empresas [as bets] estão sendo utilizadas pelo crime organizado para lavar dinheiro, principalmente por meio de contratos com influenciadores digitais”, disse Gakiya.
A CPI das Bets no Senado, que procurou investigar essas ligações, viu seu relatório rejeitado em junho deste ano, levantando questões sobre a eficácia dos mecanismos de controle existentes. Gakiya enfatizou que a falta de regulamentação e supervisão em relação às fintechs contribui significativamente para esses problemas.
O PL Antifacção e sua eficácia
Outro tema abordado por Lincoln Gakiya foi o projeto de lei (PL) Antifacção, recentemente aprovado na Câmara dos Deputados. Ele fez críticas à falta de diferenciação no texto entre os líderes das facções e os membros comuns, sugerindo que a legislações precisaria ser mais robusta e específica.
“Essas organizações [mafiosas] precisam ser tratadas de maneiras diferentes, com ferramentas processuais que são realmente mais intrusivas. Isso ocorre em outros países, como na Itália, onde há um foco em legislar de maneira mais eficaz contra grupos organizados”, completou. Gakiya apontou que sem a devida classificação e regulamentação, o combate ao crime organizado no Brasil continuará comprometido.
O futuro do combate ao narcotráfico no Brasil depende de estruturas mais sólidas e da superação da fragmentação atual entre as várias forças de segurança, uma tarefa desafiadora, mas necessária para garantir a segurança e estabilidade do país.



