A ONU designou o general de divisão do Exército Brasileiro, Ulisses Mesquita Gomes, para comandar as forças da Monusco (Missão das Nações Unidas para a Estabilização da República Democrática do Congo). Sua nomeação ocorre em um momento crítico, quando o país africano enfrenta uma guerra de anexação promovida por rebeldes da Aliança do Rio Congo (AFC), apoiados por Ruanda.
O conflito já deixou 17 capacetes azuis mortos na última semana, marcando uma das fases mais sangrentas da instabilidade congolesa. A situação se agravou no último domingo (25), quando os rebeldes invadiram Goma, a principal cidade do leste do país, desencadeando intensos combates. O governo de Ruanda nega qualquer envolvimento direto com os insurgentes.
Raízes de um conflito prolongado
A guerra civil na República Democrática do Congo é um dos conflitos mais longos e complexos da África, marcada por disputas étnicas, políticas e econômicas. Desde o final da década de 1990, o país tem sido palco de sucessivos embates entre grupos armados, governos vizinhos e forças internacionais. O conflito ganhou intensidade após o genocídio de Ruanda, em 1994, quando milhares de hutus fugiram para o leste congolês, provocando uma crise humanitária e instabilidades políticas. Com imensas reservas de minérios estratégicos, como coltan, ouro e diamantes, o país também se tornou alvo de interesses econômicos regionais e internacionais, alimentando a guerra e dificultando a pacificação. Estima-se que mais de 6 milhões de pessoas já tenham morrido em decorrência da violência, da fome e das doenças associadas ao conflito.
Repetindo a estratégia de 2013
A nomeação de Ulisses Mesquita segue um padrão adotado pela ONU em momentos de crise extrema no Congo. Em 2013, o também general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz foi nomeado comandante da Monusco durante a ofensiva do grupo rebelde M23. Com o apoio das tropas da ONU e do exército congolês, ele conseguiu expulsar os insurgentes e deter a intervenção ruandesa em menos de um ano, consolidando uma rara vitória militar para as Nações Unidas na região.
Desta vez, o desafio parece ainda maior. O M23 se reagrupou, formando a Aliança do Rio Congo (AFC) com outras facções rebeldes e contando novamente com o suposto apoio militar de Ruanda. Em poucas semanas, os insurgentes capturaram quatro cidades e chegaram a Goma, que abriga mais de 1 milhão de pessoas. O desfecho da batalha segue incerto.
Brasil e ONU: papel diplomático
A escolha do general brasileiro também sinaliza uma mudança de postura da ONU. Na última terça-feira (28), o Conselho de Segurança das Nações Unidas realizou sua segunda reunião emergencial sobre o Congo, mas nenhuma ação concreta havia sido definida. A nomeação de Ulisses Mesquita pode indicar uma reorientação estratégica, especialmente porque todos os membros permanentes do Conselho condenaram a ofensiva rebelde, embora sem citar Ruanda diretamente.
A diplomacia brasileira também desempenhou um papel crucial. Assim como em 2013, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil foi um dos articuladores da indicação do general, reforçando a posição do país como ator neutro em meio a uma disputa geopolítica entre Ruanda, República Democrática do Congo e África do Sul.
Em sua primeira declaração após a nomeação, Ulisses Mesquita destacou a gravidade do cenário:
“Foi com muita satisfação que recebi a notícia da minha nomeação feita pelo secretário-geral da ONU, o senhor António Guterres, para ser o próximo Force Commander da Monusco. Também é uma honra representar o Exército Brasileiro, nossas Forças Armadas e a bandeira do Brasil em tão importante missão de paz do mundo na atualidade, especialmente nesse momento crítico em que a população congolesa está sofrendo ataques de grupos armados, notadamente do M23.”
Perfil do novo comandante
Ulisses Mesquita Gomes tem uma carreira consolidada dentro e fora do Brasil. Ele já foi vice-comandante do Comando Logístico do Exército, adido militar nos Estados Unidos e comandante da 7ª Brigada de Infantaria Motorizada. Sua experiência internacional inclui passagens pelo Departamento de Operações de Paz da ONU e participação na Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti).
Agora, à frente da Monusco, o general brasileiro terá que equilibrar a difícil tarefa de restaurar a segurança no leste congolês e evitar uma escalada regional do conflito. Enquanto os combates continuam, a comunidade internacional acompanha com atenção os próximos desdobramentos dessa guerra que já ultrapassa três décadas.