No último dia 28 de outubro, uma megaoperação realizada nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, chamou a atenção não apenas pela magnitude da ação, mas também pela quantidade de policiais que utilizaram câmeras corporais. Um relatório do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) revelou que menos da metade dos policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) estava equipado com esses dispositivos, o que levanta preocupações sobre a transparência e a responsabilidade durante as operações de segurança pública.
Câmeras corporais: um recurso vital subutilizado
De acordo com o comandante do Bope, coronel Marcelo Corbage, apenas 77 dos 215 policiais presentes na operação utilizaram câmeras corporais. Na Core, dos 128 policiais, somente 57 estavam equipados com os dispositivos. Em depoimentos, tanto Corbage quanto Fabrício Oliveira, chefe da Core, destacaram a falta de baterias sobressalentes para os equipamentos, o que limitou ainda mais seu uso durante a operação, que se estendeu por 12 horas — muito além do planejado, que era de 5 a 6 horas.
A presença de câmeras corporais é considerada essencial para documentar ações policiais e garantir a responsabilização em caso de abusos. A expectativa era que cada grupo de policiais tivesse pelo menos um agente equipado com uma câmera, mas isso não se concretizou. “Havia apenas 77 câmeras registrando a ação entre 215 policiais”, observou Corbage, demonstrando uma falha no planejamento operativo.
Consequências da operação e indícios de irregularidades
A megaoperação resultou em 121 mortos e 113 prisões, mas não sem controvérsias. O MPRJ encontrou indícios de mortes com características “fora do padrão de confronto”. O relatório revela que peritos identificaram pelo menos dois casos atípicos: um corpo com marcas de tiro à queima-roupa e outro com sinais de decapitação. Esses achados suscitam inquietações sobre as circunstâncias em que as mortes ocorreram.
As necropsias indicaram que todos os mortos eram homens, com idades entre 20 e 30 anos, e com ferimentos compatíveis com munições de alta energia, típicas de fuzis. Contudo, as duas ocorrências que destoam exigem uma investigação mais apurada, visto que sugerem uma possível execução. O MPRJ recomendou uma “análise minuciosa” das gravações das câmeras corporais disponíveis e do ambiente do confronto, com o intuito de esclarecer a dinâmica dos eventos ocorridos durante a operação.
Análise do MPRJ e a busca por respostas
O relatório elaborado pela Divisão de Evidências Digitais e Tecnologia (DEDIT/CI2) do MPRJ acompanhou as 121 necropsias, realizando 378 varreduras e escaneamentos técnicos. Essa investigação teve como objetivo observar lesões que fugissem ao padrão esperado de um confronto armado. A maioria dos corpos vestia roupas camufladas e coletes, indicando seu envolvimento com atividades de combate, além de portarem munições, drogas e celulares.
Mesmo com a associação das vestimentas e pertences dos mortos a facções criminosas, o MPRJ reforçou que as mortes não ocorreram todas sob as mesmas circunstâncias. O achado de disparos à curta distância e sinais de decapitação levantam questões sobre o uso da força pelas forças de segurança e a necessidade de maior transparência nas operações. A espera pela conclusão dos laudos periciais e a identificação oficial dos corpos é fundamental para correlacionar os achados com registros de vítimas, o que pode garantir justiça aos envolvidos.
O impacto da operação na segurança pública
A Operação Contenção foi deflagrada com a participação de cerca de 2,5 mil agentes das polícias Civil e Militar, e visava o Comando Vermelho (CV). Além do número elevado de mortos e prisões, a operação gerou uma onda de violência, com retaliações coordenadas por grupos criminosos, levando a bloqueios em vias expressas e à paralisação do transporte público em várias regiões do município do Rio.
O secretário de Segurança Pública, Victor Santos, defendeu a operação, afirmando que foi planejada e necessária. Ele ressaltou que as ações da polícia continuarão, em uma tentativa de conter o avanço da facção criminosa. Contudo, a discussão sobre o uso responsável da força e a necessidade de transparência nas operações permanece em pauta, especialmente em um contexto onde a confiança da população nas instituições de segurança precisa ser restaurada.
À medida que o MPRJ aguarda a conclusão dos laudos periciais, a sociedade se questiona: até onde vão os limites da ação policial em busca de ordem e segurança, e como garantir que essas ações sejam pautadas pela responsabilidade e respeito aos direitos humanos?


