A inteligência artificial (IA) tem sido cada vez mais utilizada para preservar a memória dos mortos, por meio de sistemas que simulam vozes, personalidades e histórias. Estes “deathbots” — bots de morte — são modelos de IA que, usando dados digitais como gravações, mensagens e postagens, criam avatares que parecem falar do além, oferecendo uma experiência interativa, porém controversa. Essa tendência redefine a relação entre memória, tecnologia e luto.
Como funcionam os sistemas de deathbots na prática
Segundo pesquisa publicada na revista científica Memory, Mind & Media, esses sistemas usam algoritmos de aprendizado de máquina para criar respostas que parecem autênticas e próximas ao estilo de quem morreu. Os usuários podem, assim, conversar com versões digitais de entes queridos, recebendo respostas que imitam o tom, as palavras e até as emoções da pessoa real. Alguns exemplos possibilitam organizar histórias pessoais, como infância ou conselhos familiares, por meio de plataformas que funcionam como arquivos virtuais.
Conexão emocional e limites tecnológicos
Apesar de atraentes, esses sistemas revelam limites emocionais e técnicos. Interações muitas vezes soam artificiais ou desconexas, como exemplificado por mensagens que misturam otimismo excessivo e desconforto, mesmo ao discutir temas delicados como a morte. Uma pesquisa conduzida pelos autores do estudo revelou respostas do tipo: “Sinto sua falta também… vamos enfrentar o dia com positividade”. Tais limitações expõem a dificuldade da IA em lidar com a complexidade emocional do luto.
A economia de uma memória recorrente
Por trás dessas experiências, há um modelo de negócios que transforma memórias em produtos comerciais. Empresas utilizam assinatura, planos freemium e parcerias com seguradoras ou setor de saúde, permitindo que a “vida digital” continue gerando valor após a morte. Como destacaram os filósofos Carl Öhman e Luciano Floridi, esses sistemas operam dentro de uma “economia política da morte”, na qual dados geram lucros indefinidamente.
Questões éticas e o peso emocional
Apesar da promessa de uma espécie de ressurreição digital, especialistas alertam para os riscos de substituir a perda pelo consumo infinito de memorializações artificiais. As plataformas incentivam a captura da história pessoal “para sempre”, coletando emoções e dados biométricos, mas muitas vezes perpetuando uma lembrança superficial ou distorcida. Como Wendy Chun explica, essa confusão entre armazenamento e memória pode apagar o papel do esquecimento e do luto genuíno.
Reflexões e desafios futuros
Embora as tecnologias possam ajudar a preservar histórias, elas não substituem a complexidade viva de uma pessoa ou de um relacionamento. A experiência com deathbots revelou que a “empatia algorítmica” é limitada, com respostas muitas vezes emocionalmente desajustadas ou mecanizadas. Além disso, há uma tensão entre o desejo de manter a presença dos mortos e os riscos de uma eterna simulação que pode alterar nossa compreensão da morte.
Para os autores do estudo, as “vidas pós-morte sintéticas” representam uma reflexão sobre a vulnerabilidade e os limites da memória digital, indicando que a história pessoal não é simplesmente uma coleção de dados, mas uma relação relacional e contextual. Assim, enquanto a IA permite interações quase eternas, ela também nos lembra que a memória verdadeira exige espaço para o esquecimento e a imperfeição.
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