A crescente atuação do Poder Judiciário em questões de política pública tem chamado atenção nos últimos anos. Juízes têm reescrito normas em áreas como Previdência e Assistência Social, muitas vezes sem a mediação do Parlamento, o que provoca impactos fiscais e políticos de longo prazo. Essa tendência, longe de ser isolada, reflete uma preocupação com a expansão da judicialização no Brasil.
Decisões judiciais sobre aposentadorias e benefícios
Adicional de 25% para aposentados por invalidez
Um exemplo emblemático é a extensão do adicional de 25% para aposentados por invalidez que necessitam de cuidados permanentes. A Lei 8.213/1991 determina esse acréscimo, porém sua redação é considerada ambígua. Enquanto a dependência de terceiros não depende do tipo de aposentadoria, a lei obrigava sua observância apenas nessa modalidade.
Em 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu estender esse direito a todos os aposentados que comprovarem necessidade de auxílio contínuo, justificando sua decisão pelo princípio da vulnerabilidade do segurado. Segundo a ministra Regina Helena Costa, “não podemos deixar essas pessoas sem amparo”.
Contudo, essa decisão gerou um custo de aproximadamente R$ 7,2 bilhões apenas no primeiro ano, com projeções de impacto de mais de R$ 90 bilhões em uma década. Em março de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) acolheu recurso da Advocacia-Geral da União (AGU) e suspendeu os efeitos da decisão, até análise definitiva pela Corte.
Critério de renda para o Benefício de Prestação Continuada (BPC)
Outro caso relevante refere-se à ampliação do benefício previdenciário para idosos e deficientes, previsto na Lei nº 8.742/1993. A norma estipula que o benefício ao idoso, a partir dos 65 anos, é devido a quem tiver renda familiar per capita inferior a ¼ do salário-mínimo. Apesar de clara, essa regra não impediu uma expansão significativa do programa.
De 1996 a 2023, o número de benefícios ao idoso cresceu 4,3 vezes, de 501 mil para 2,164 milhões. O gasto anual passou de R$ 1,99 bilhão para R$ 71,83 bilhões, um aumento de 36 vezes no período. A concessão judicial do benefício também cresceu de 2,6% para quase 20% em 2023, refletindo uma flexibilização dos critérios pelo Judiciário, com base na interpretação de vulnerabilidade.
Ajustes na aposentadoria de policiais femininas
Outro episódio reforça a influência do julgamento individual na política previdenciária. Ao analisar a idade de aposentadoria de mulheres na Polícia Federal, uma decisão judicial reduziu em três anos a idade mínima, com base na “regra geral” de 65 anos para homens e 62 para mulheres. Essa medida resultou na possibilidade de aposentadoria até dez anos antes do previsto, gerando distorções na política salarial e previdenciária.
Impactos e desafios da judicialização
Esses exemplos ilustram uma ampliação do protagonismo judicial que, apesar de fundamentada em princípios humanitários, coloca desafios à sustentabilidade fiscal e à governabilidade. “A judicialização de políticas públicas, quando ultrapassa limites razoáveis, fragiliza a capacidade do Estado de planejar e executar suas ações”, alerta especialista ouvidos na análise do tema.
Segundo dados do Observatório da Judicialização, a participação do Judiciário na concessão de benefícios sociais cresceu de 2,6%, em 2004, para quase 20% em 2023. Parte dessa ampliação decorre da decisão do STF no julgamento do Recurso Repetitivo nº 1.112.557/MG, que afastou a limitação de renda como critério exclusivo para vulnerabilidade, abrindo espaço para avaliações subjetivas e agravando o impacto financeiro ao erário.
Para especialistas, é fundamental que o Legislativo assuma melhor seu papel na formulação de políticas, evitando a sobreposição de funções. Assim, a expansão do protagonismo judicial pode prejudicar a estabilidade fiscal e comprometer a efetividade das políticas públicas.
A matéria completa está disponível em O Globo.