O debate sobre os direitos reprodutivos no Brasil ganhou um novo capítulo nesta sexta-feira (17/10), quando o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou contra a decisão liminar do colega Luís Roberto Barroso, que permitia a enfermeiros e técnicos de enfermagem a realização de procedimentos de aborto nos casos previstos pela legislação brasileira. A votação acirrou a discussão sobre a atuação de profissionais de saúde em situações críticas, como risco de morte da gestante e gravidez resultante de estupro ou anencefalia fetal.
A decisão e seus desdobramentos
O voto de Gilmar Mendes se deu na análise da ação que busca esclarecer se enfermeiros podem realizar abortos sem o risco de punição. Acompanharam Mendes, os ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin, resultando em um placar de 3 a 1 contra a proposta de Barroso, que havia concedido autorização provisória aos profissionais da enfermagem.
Gilmar Mendes argumentou que, apesar da relevância jurídica do caso, não existia urgência suficiente, ou “periculum in mora”, para justificar a manutenção da decisão cautelar de Barroso. “Por não vislumbrar a presença, no caso, do periculum in mora, nego referendo à medida cautelar concedida pelo ministro Roberto Barroso”, escreveu Mendes em seu voto.
Contexto e legislação atual
Atualmente, a legislação brasileira permite que apenas médicos realizem abortos em casos específicos, que incluem risco de morte da gestante, gravidez resultante de estupro e anencefalia fetal. A ação, movida pelo PSol e pela Associação Brasileira de Enfermagem (Aben), pede ao STF que reconheça o direito de enfermeiros e outros profissionais de saúde a realizar esses procedimentos. A posição sustentada por eles é que a restrição vigente fere direitos fundamentais e limita o acesso a serviços legais de aborto, especialmente em regiões onde a presença de médicos é escassa.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconhece que o aborto legal é um procedimento de baixa complexidade que pode ser realizado por profissionais de enfermagem adequadamente capacitados, o que poderia facilitar o atendimento em unidades básicas de saúde e reduzir a burocracia enfrentada por mulheres, especialmente jovens e vulneráveis, que procuram o procedimento.
O voto de Barroso e perspectivas futuras
Neste mesmo dia, o ministro Luís Roberto Barroso havia tomado decisões polêmicas. Em uma autorização anterior, Barroso garantiu que enfermeiros e técnicos de enfermagem poderiam atuar nos casos permitidos por lei sem medo de punição. Além disso, Barroso também votou em favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação em outro julgamento, reabrindo um debate que estava suspenso desde 2023.
Após o voto de Barroso, Gilmar Mendes pediu destaque, paralisando temporariamente a análise do caso pelo plenário virtual. Esse procedimento é semelhante ao que foi adotado no final da gestão da ex-ministra Rosa Weber, que havia pautado temas relacionados aos direitos reprodutivos, provocando reações diversas no campo jurídico e entre a sociedade civil.
Reações e implicações sociais
A recente votação no STF tem gerado diversas reações entre ativistas dos direitos das mulheres, especialistas em saúde pública e a população em geral. Para muitos, a decisão de Mendes reflete um retrocesso no acesso a serviços de saúde fundamentais, enquanto outros a defendem como uma proteção às regulamentações médicas existentes.
A discussão a respeito da possibilidade de enfermeiros realizarem abortos legais destaca a necessidade de um debate mais amplo e profundo sobre questões de saúde, direitos reprodutivos e a capacitação de profissionais de saúde no Brasil. As implicações dessas decisões atingem não apenas as instituições de saúde, mas também a vida das mulheres que enfrentam situações complexas e muitas vezes traumáticas.
À medida que a sociedade brasileira continua a discutir e a lutar pelos direitos de saúde reprodutiva, as decisões no STF podem ter um impacto duradouro sobre a forma como serviços essenciais são oferecidos à população, especialmente às mulheres que necessitam de cuidados em situações críticas.