Uma imponente estrutura de 25 metros de altura, inspirada na arquitetura greco-romana, recebe os visitantes da pequena São Luiz do Anauá, em Roraima. Entretanto, essa obra, que custou cerca de R$ 2 milhões, é apenas um dos muitos exemplos de investimentos mal realizados com emendas do orçamento público na cidade, levanta sérias questões sobre o uso de recursos públicos e a transparência na gestão. O portal majestoso, concluído apenas parcialmente, é um símbolo do descaso com que a administração pública lida com verbas federais.
Desvio de verbas e projetos abandonados
A construção do portal em São Luiz do Anauá foi financiada por emendas do programa Pix, uma modalidade que vem sendo alvo de questões jurídicas e investigativas pela sua falta de supervisão. O Supremo Tribunal Federal (STF) revelou que as emendas da cidade passaram a ser monitoradas devido a suspeitas de irregularidades, como o desvio de mais de R$ 20 bilhões enviados a municípios desde 2020. Muitas prefeituras, inclusive a de São Luiz, misturaram esses recursos em contas correntes, dificultando a rastreabilidade dos gastos.
O ex-prefeito James Batista, que governou a cidade anteriormente, não se manifestou quando questionado sobre o destino das emendas. Já o atual prefeito, Chicão (PP), alegou em um ofício ao STF que a desorganização financeira da gestão anterior dificultou a explicação sobre o uso das verbas. Investigadores identificaram uma série de obras paralisadas na cidade, que incluem, além do portal, a revitalização de praças e a construção de um conjunto habitacional com cem unidades, cujo valor alcançava R$ 5,3 milhões.
Relato das auditorias e a falta de transparência
Em auditorias realizadas pela Controladoria-Geral da União (CGU), foram encontradas apenas 37 unidades habitacionais em construção, sendo que apenas uma estava totalmente concluída. O local apresentava sinais de abandono, sem funcionários trabalhando ali. As movimentações dos recursos geralmente ocorrem em segredo, inviabilizando que a população saiba exatamente como estão sendo utilizados os valores destinados a essas obras.
O modelo de transferência de verbas para os municípios, muitas vezes, permite que prefeitos desviem os recursos para outras finalidades, misturando-as a contas usadas para pagamentos de salários e contas de serviços públicos. Essa prática foi confirmada em pelo menos 20 municípios que, após o pente-fino determinado pelo STF, passaram a ser acompanhados mais de perto.
Outros casos de desvio no Brasil
Amazônia, a luta pela transparência na gestão pública enfrenta outros desafios. Em Vicentina (MS), por exemplo, cinco veículos adquiridos com verbas federais foram vendidos sem que a prefeitura explicasse para onde foi o dinheiro arrecadado, gerando uma grande controvérsia. Da mesma forma, em Mucajaí (RR), uma emenda de R$ 16 milhões foi destinada à recuperação de estradas, mas uma fiscalização revelou que apenas uma trilha havia sido realizada no local prometido, sem melhorias visíveis.
Essas situações não são meras exceções; elas refletem um padrão de gestão pública que, ao alcançar verbas significativas, se encontra repleta de questionamentos. Os senadores que indicam valores para os municípios se eximem ou alegam falta de controle sobre o uso do dinheiro. O senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), autor de emendas para São Luiz, declarou que não tinha como acompanhar a aplicação dos recursos após a destinação para a prefeitura.
O papel do STF e a responsabilidade da administração pública
O Supremo Tribunal Federal continua monitorando esses casos, com pelo menos 80 investigações abertas relacionadas ao desvio de verbas públicas. A falta de resposta da administração anterior e a dificuldade de rastrear o uso de recursos federal em prefeituras gera um ambiente propício para a corrupção. O atual governo deve arcar com a responsabilidade de apurar onde foi parar o dinheiro destinado à cidade e trazer à tona os investimentos que deveriam ter beneficiado a população, mas que, ao invés disso, se perderam na neblina da desorganização e da falta de transparência.
Os resultados dessas investigações são aguardados com expectativa, pois podem abrir precedentes e reforçar a importância de um controle mais rígido sobre a movimentação dos recursos públicos. Enquanto isso, os cidadãos de São Luiz do Anauá e de outros municípios continuam a viver os efeitos de uma administração que falha em entregar os serviços e obras prometidos.