Muitos americanos se questionam como pessoas que professam fé em Jesus, símbolo de amor e compaixão, apoiam políticas de exclusão, punição e intolerância. A resposta pode estar na noção de “moralidade vertical”, um conceito que explica a justificativa de comportamentos contrários aos ensinamentos cristãos por parte de grupos apoiadores do movimento MAGA.
O que é moralidade vertical?
A moralidade vertical ensina que a autoridade moral vem de uma fonte superior, como Deus ou um líder autoritário. Segundo Tia Levings, ex-fundamentalista e autora de “A Well-Trained Wife”, essa perspectiva sustenta que as ações são corretas ou incorretas com base na vontade de uma autoridade acima, sem considerar o impacto sobre o próximo.
Para April Ajoy, autora de “Star-Spangled Jesus”, na visão cristã, essa autoridade é Deus, e os fiéis devem obedecer a Ele para atingir a perfeição moral. Na política, essa lógica se traduz na adesão a uma figura de poder que dita os “pecados” e os “mandamentos”, independentemente do bem-estar coletivo.
Vertical versus horizontal: o dilema ético
Enquanto a moralidade horizontal prioriza o bem-estar da comunidade, a empatia e o amor ao próximo, a vertical reforça a obediência inquestionável às regras divinas ou de líderes, mesmo que tais ações prejudiquem pessoas inocentes. Aadvogada Malynda Hale destaca que essa postura imputa uma moralidade baseada na punição, no julgamento e na ausência de compaixão genuína.
Por exemplo, apoiadores do MAGA frequentemente demonizam imigrantes, LGBTQ+ e opositores políticos, justificando essas atitudes com uma reading literal da Bíblia e uma interpretação autoritária de Deus. Essa perspectiva se alimenta de uma visão apocalíptica e de uma suposta missão divina de tornar a nação cristã, como reza o nacionalismo cristão.
Impacto político e social da moralidade vertical
O uso da moralidade vertical impulsiona a ascensão de uma cultura de intolerância e autoritarismo. Rachel Klinger Cain explica que essa visão sustenta a ideia de que tudo o que vem de uma autoridade suprema é moralmente correto, o que justificou, no passado, práticas como a escravidão, o segregacionismo e a violência contra minorias, incluindo o Ku Klux Klan.
Segundo ela, o papel do antigo Testamento e de figuras como Abraham, que obedeceu cegamente a Deus, reforça esse paradigma de obediência sem questionamento. Hoje, esse entendimento alimenta políticas duras contra imigrantes ou minorias, muitas vezes com uma retórica que criminaliza e desumaniza quem é considerado “desobediente”.
Perigos e armadilhas da moralidade vertical
Especialistas alertam que essa postura despeja uma máscara de moralidade religiosa sobre ações que, na prática, promovem ódio, repressão e exclusão. Levings adverte que a moralidade vertical é inflexível, desconsidera fatos, ciência e diversidade, e não consegue evoluir com o tempo, reforçando uma intolerância baseada na rigidez.
Além disso, essa visão tende a demonizar a empatia, considerada por alguns leaders religiosos como “toxic” ou até pecado. Para Cain, isso se manifesta na justificativa de ações que ferem o próximo sob o pretexto de obedecer a uma suposta vontade divina, como impedir que jovens LGBTQ+ expressem sua identidade ou justificar punições desumanas a imigrantes.
Por que a moralidade vertical seduz e é perigosa?
A força dessa perspectiva está na simplicidade do seu raciocínio: ela oferece respostas claras, certezas absolutas e uma sensação de segurança em tempos de caos. Cain destaca que, em períodos de incerteza, muitos se voltam a estruturas autoritárias que prometem ordem, mesmo que essas atividades prejudiquem os mais vulneráveis.
Hale reforça que essa moralidade reduz a fé a uma prática individual e superficial, afastando a atenção de questões coletivas de justiça social, desigualdade e injustiça sistêmica. Essa postura alimenta uma sociedade de julgamento e exclusão, onde o valor do próximo é secundário à suposta pureza moral do indivíduo.
Conclusão: um caminho para uma ética mais compassiva
Para superar o perigo da moralidade vertical, especialistas defendem a valorização da moralidade horizontal, que enfatiza empatia, solidariedade e responsabilidade coletiva. A essência de Jesus, como explica Ajoy, está em amar o próximo e agir com compaixão, valores que muitas vezes entram em conflito com a lógica autoritária e dogmática.
Reconhecer a influência dessa postura nas políticas públicas e na cultura é fundamental para promover uma sociedade mais justa e inclusiva, que valorize a diversidade e o entendimento, ao invés do dogma e da obediência cega. Como Hale destaca, “fé sem obras é morta”, e só por meio de ações concretas de amor podemos construir um mundo mais humano.