Ainda que indicadores econômicos brasileiros estejam em seu melhor patamar histórico, o número de pessoas em situação de rua cresce de forma alarmante, atingindo aproximadamente 350 mil inscritos no Cadastro Único (CadÚnico), porta de entrada aos benefícios sociais do governo federal. Em 2019, o total era de 144.777, menos da metade, revelando um aumento expressivo nos últimos anos.
A crise social por trás do crescimento da população de rua
Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos, o aumento dessa população ocorre em meio à insuficiência de políticas públicas de assistência social e à fragilidade de uma rede de apoio que não acompanha o crescimento. O sociólogo Marco Natalino, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), explica que não é somente o avanço econômico que explica esses números.
“Temos um sistema de assistência social melhor do que no passado, mas o crescimento dos benefícios não foi acompanhado na expansão de centros de apoio, abrigos e albergues”.
Impactos da pandemia e vulnerabilidades agravadas
Maria Luiza Gama, diretora de Promoção dos Direitos da População em Situação de Rua do Ministério dos Direitos Humanos, afirma que a pandemia de COVID-19 agravou a vulnerabilidade dessa população. “Muitas pessoas perderam emprego, ficaram sem pagar aluguel e tiveram seus vínculos rompidos, especialmente na população LGBTQIA+”, destaca.
Heitor Leonardo Silva, de 41 anos, é um exemplo da realidade enfrentada por muitos. Morador de rua no Rio de Janeiro há um ano e meio, ele relata dificuldades diárias para manter seus remédios contra hipertensão, além de preferir não ir para um abrigo por questões de dignidade e independência.
Desafios na implementação de políticas públicas
Desde agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu remoções forçadas de moradores de rua, exigindo diagnóstico detalhado da situação e um planejamento estratégico. O programa Ruas Visíveis, criado nesse contexto, visa garantir o direito à moradia, saúde e geração de renda a essas pessoas.
Joana Darc Bazílio da Cruz, presidente do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua, evidencia que a falta de orçamento suficiente e a resistência de governos estaduais dificultam ações concretas. “Falta moradia digna que envolva saúde, educação, cultura e trabalho, além de uma resposta efetiva para a questão social”, reforça.
Perspectivas e lacunas na coleta de dados
Segundo o censo municipal de 2022 do Rio, há 7.865 pessoas em situação de rua na cidade. Contudo, pelo CadÚnico, há atualmente 22.450 registros, sendo a segunda maior população do país, atrás de São Paulo com 95.349. Um censo nacional, coordenado pelo IBGE, só deve ser realizado em 2028, o que dificulta a obtenção de dados precisos.
O economista Marco Natalino estima que, em 2022, haja cerca de 281.472 pessoas em situação de rua no Brasil, considerando dados de diversos censo municipais e do CadÚnico, crescimento de 37,4% em relação a 2019, quando eram 204.660.
O paradoxo dos avanços sociais
O recuo na insegurança alimentar, que atingiu seu menor nível desde 2004, com 6,4 milhões de brasileiros em risco de fome, contrastam com o aumento da população de rua. “Ainda estamos frágeis na resposta às vulnerabilidades sociais”, avalia Laura Muller Machado, economista do Insper, que ressalta a necessidade de uma política integrada que envolva habitação, saúde, trabalho e cultura.
O orçamento do programa Ruas Visíveis é de R$ 1 bilhão por ano, valor considerado insuficiente por especialistas, dada a extensão do problema. A iniciativa contempla ações emergenciais de atendimento e vem enfrentando obstáculos de implementação devido à escassez de recursos e à complexidade de ações de longo prazo.
Ao mesmo tempo, cresce a preocupação com a maior exposição das populações vulneráveis às violações de direitos, incluindo casos de criminalização social, enquanto políticas públicas ainda encontram dificuldades em acompanhar de forma eficaz o aumento da vulnerabilidade social no Brasil.
Fonte: O Globo