A recente investigação internacional chamada “Bad Practice” (Má Prática) levantou questões profundas sobre a segurança dos pacientes ao revelar que médicos com históricos de conduta problemática estão conseguindo mudar de país e retomar a prática da medicina sem enfrentar as devidas consequências. O projeto, que envolveu 48 parceiros de mídia em 46 países, destacou casos alarmantes de médicos que, após sanções não cumpridas em suas jurisdições de origem, migraram para novas áreas onde continuam a tratar pacientes.
Cenário global: Médicos sem licenciamento adequado
Um exemplo impactante dessa realidade é o caso do médico Ken Shafquat Intikhab Abrahim, que obteve sua licença médica em várias jurisdições, incluindo Ontario, apesar de ter sido reprimido em estados como Florida e Carolina do Norte pelos seus métodos de prescrição de medicamentos. Ele foi acusado de prescrever quantidades letais de substâncias controladas e de ocultar essa informação em suas renovações de licença. Apesar disso, Abrahim continua a praticar em Niagara Falls, Ontário, sem restrições em sua licença, o que levanta sérias preocupações sobre a eficácia da supervisão médica internacional.
Investigações em série
A investigação realizada pela Organização de Relatórios sobre Crime Organizado e Corrupção (OCCRP) e pela equipe do Investigative Journalism Bureau, revelou mais de 100 médicos que foram banidos de praticar medicina em um ou mais locais, mas estão licenciados em novas jurisdições. Os dados coletados incluem registros de mais de 2,5 milhões de registros médicos, revelando que esses profissionais, frequentemente com históricos que incluem delitos de natureza grave, conseguiram recomeçar suas carreiras com frequência mínima de consequências.
Casos perturbadores
Casos como de um médico romeno banido no Reino Unido por múltiplos casos de assédio sexual, que agora continua a praticar na Romênia, e um cirurgião ortopédico alemão que realizou operações sem a certificação adequada, revelam um padrão alarmante de fuga a regulamentos de segurança que protegem os pacientes. Embora alguns países tenham sistemas em vigor para acompanhar licenciamentos e infrações, a falta de uma base de dados global acessível com informações consistentes e comparáveis contribui para essa questão.
A necessidade de reformas na supervisão médica
O CEO da organização de segurança ao paciente Action Against Medical Accidents, Paul Whiteing, expressou sua preocupação: “É profundamente preocupante que alguns médicos consigam mudar de país e continuem a tratar pacientes sem as repercussões adequadas”. A defesa de uma supervisão mais rigorosa é um apelo crescente para garantir que médicos com histórias de má conduta sejam responsabilizados, independentemente de onde pratiquem.
A situação em países como o Canadá é crítica. Apesar de a Federation of Medical Regulatory Authorities of Canada afirmar que os médicos são obrigados a fornecer um certificado de conduta ao se mudarem para uma nova jurisdição, a aplicação desse requisito é inconsistente. A falta de cooperação e compartilhamento de informações entre diferentes conselhos médicos pode permitir que aqueles com um histórico mundial de infrações continuem a atuar sem revelações transparentes aos pacientes.
Rumo à reforma: buscando soluções
Conforme o projeto “Bad Practice” avança, a necessidade de reformas estruturais no compartilhamento de informações entre autoridades regulatórias de saúde em todo o mundo se torna evidente. Os pacientes e suas famílias merecem não só ter acesso ao histórico de saúde de seus médicos, mas também um sistema que garanta que práticas irresponsáveis e arriscadas não são apenas “deixadas para trás” em um país para serem descaradas em outro.
Embora as medidas de proteção ao paciente variem em todo o mundo, o chamado por um sistema global mais robusto se torna cada vez mais urgente, a fim de garantir que estes problemas não sejam apenas o “ponto de partida” de uma série de danos a saúde e à segurança de muitos. O escândalo não é apenas uma questão de supervisão, mas uma questão de integridade e confiança no sistema de saúde global.