Brasil, 4 de outubro de 2025
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A reação de uma trabalhadora sexual a “Anora” e suas opiniões

Em meio ao sucesso crítico e de bilheteria do filme “Anora”, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, muitas opiniões vêm à tona, especialmente de quem vive a realidade da indústria. Uma dessas opiniões é a de Emma*, uma escort e dançarina de 25 anos que trabalha em Manhattan há dois anos. Sua reação ao filme é marcada por uma forte mistura de indignação e frustração, que ela compartilhou comigo em uma conversa detalhada.

Precisão e distorções na narrativa

Emma revelou que muitas cenas iniciais do filme, ambientadas em uma boate, parecem muito realistas. “Quando assisti ao começo, fiquei imediatamente entediada — o que provavelmente significa que era preciso, porque parecia estar no meu trabalho”, explicou. Essa autenticidade inicial foi, porém, destruída por detalhes que ela considera distorções. Por exemplo, a cena em que Ani pergunta a Vanya se quer fazer sexo de novo, após já ter sido paga, a deixou perplexa. “Nunca, na minha experiência e de minhas colegas, aconteceríamos algo assim, porque já pagaram pelo tempo”, afirmou.

Representação da dependência financeira e o impacto emocional

Emma criticou duramente a cena em que as colegas comemoram o noivado de Ani, vendo-a dependente emocional de Vanya. “Ninguém, na minha experiência, diria algo como ‘Você deveria confiar nesse menino que não trabalha por conta própria'”, disse. Para ela, a independência financeira é uma prioridade para muitas trabalhadoras do setor, que buscam estabilidade própria, não depender de alguém, especialmente de um homem mais jovem e sem renda própria.

A hipersexualização e a fantasia masculina

Outro ponto de insatisfação se dá na apresentação de Ani como alguém extremamente sexualizada mesmo após o casamento. Emma observa que isso reforça uma visão fantasiosa de como um relacionamento com um homem conhecido na boate funciona. “Eu uso uma persona sexual na hora do trabalho, mas, na vida real, quero tirar essa máscara. Quando estou com alguém, ela precisa cair”, explicou. Para Emma, a ideia de que Ani estaria tão ‘horney’ quanto no trabalho é problemática e reforça uma narrativa de dependência emocional que ela considera falsa.

As emoções, dinheiro e a narrativa final

Ela também ficou irritada com as cenas finais, onde Ani demonstra dor ao se despedir de Igor. “Isso reforça a ideia de que o sofrimento da trabalhadora sexual é algo que deve ser mostrado para ter ‘boa’ representação”, criticou. Emma acredita que, na verdade, seu sofrimento muitas vezes decorre de insegurança financeira ou de ser subestimada, e não por uma questão de desejo ou sexualidade», além de desejar um desfecho diferente para a história da personagem.

Críticas às imagens e estereótipos

Emma também discorda da caricatura da “menina malvada” na boate, que ela acredita não existir na indústria de verdade. “O que me mantém na atividade, mesmo cansada, são as colegas inteligentes e fortes no camarim”, destacou. Para ela, grande parte do retrato apresentado no filme reforça estereótipos que beneficiam uma narrativa de “tragédia” e “sacrifício” da trabalhadora sexual para o entretenimento e ganho de imagem de Hollywood.

A necessidade de uma narrativa mais autêntica

Por fim, Emma criticou o modo como o filme retrata a vulnerabilidade emocional das trabalhadoras: “Não acredito que, por alguém ser gentil ou não querer nos obrigar a fazer algo forçado, estejamos inclinadas a agir por impulso”. Ela também expressou o desejo de que o filme terminasse de forma mais realista, com Ani rejeitando Igor e sua proposta, reforçando a autonomia da personagem e a complexidade da experiência real dessas mulheres.

Reflexões sobre os estereótipos e os interesses comerciais

Emma conclui que uma grande parte da narrativa cinematográfica sobre sex work é moldada por interesses comerciais e por uma visão romantizada ou sensacionalista. “As pessoas fazem dinheiro, fama e prestígio vendendo um sonho masculino de uma mulher sofrida e emocionalmente destruída. E isso funciona porque, se é triste, parece real”, afirmou ela, destacando a necessidade de uma representação mais verdadeira, que respeite a diversidade e a complexidade da sua realidade.

***Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada.**

*Nota: Emma trabalha na indústria há dois anos, e suas opiniões refletem sua experiência pessoal, sem generalizar toda a classe de trabalhadoras sexuais.*

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