Em uma comunidade fechada a apenas meia hora de carro de Joanesburgo, na África do Sul, está Kleinfontein, uma cidade que mantém rígidas regras de entrada e é lar de cerca de mil residentes, todos brancos. Apesar do fim do apartheid, a localidade erige estátuas de políticos que defenderam a segregação racial e continua a levantar questionamentos sobre a convivência e a identidade social.
Kleinfontein: um enclave exclusivo para brancos
A cidade de Kleinfontein, que ocupa uma área de 8,6 km², é composta exclusivamente por residentes que devem ser protestantes, descendentes dos Voortrekkers, falantes de Afrikaans e, acima de tudo, brancos. Esta exclusividade é justificada por seus moradores como uma forma de preservar sua cultura e identidade em um país que, após a derrubada do apartheid nos anos 90, começou a implementar políticas de integração.
Recentemente, o cineasta Ben Zand explorou esta comunidade em sua nova série no YouTube, “Human”. Zand, um britânico de origem mista, fala abertamente sobre as dificuldades de narrar histórias que desafiam normas sociais. “Eu estava interessado em ver o que significa viver em um lugar onde há apenas um tipo de pessoa. É uma maneira realista de viver? A conclusão, sendo uma pessoa de raça mista, é provavelmente não”, explica Ben em entrevista ao Metro.
Histórias que desafiam a norma
Durante sua visita, Ben encontrou moradores que, surpreendentemente, foram muito receptivos. “Eles estavam muito animados com a minha presença, sentindo que eram incompreendidos e que suas experiências não eram representadas”, afirma. No entanto, a diversão e cordialidade entre os residentes contrastam com a realidade de um espaço que nega a diversidade racial.
As narrativas dos moradores incluem a intenção de criar um espaço seguro para a cultura afrikaner, longe das políticas que eles acreditam promover uma agenda multicultural à força. Apesar de seus esforços para justificar a exclusividade da comunidade, a presença de figuras históricas ligadas ao apartheid, como SJP Kruger e Hendrik Verwoerd, não deixam de suscitar polêmicas sobre a verdadeira natureza das intenções da comunidade.
A controvérsia da identidade
Conversando com um dos residentes, Ben foi alertado de que ele provavelmente não seria aceito naquela comunidade, evidenciando a barreira da cor da pele que persiste profundamente enraizada. “Não pensei que você seria aceito”, foi o comentário que o surpreendeu, logo após uma brincadeira entre eles sobre um churrasco.
O documentário dirigido por Ben Zand não apenas revela a exclusividade da cidade, mas também explora questões mais amplas sobre como as pessoas se agrupam e se segregam. “As pessoas têm medo de que a sua cultura se dilua. Haverá pessoas britânicas tentando criar cidades apenas para brancos”, acrescenta.
Kleinfontein: um reflexo de uma sociedade dividida
A história de Kleinfontein é um lembrete das dores e divisões que ainda existem na sociedade sul-africana. Os habitantes alegam que a criação da comunidade foi uma resposta aos altos índices de criminalidade e às políticas de integração que não consideram a história dos africanos brancos. Apesar das boas intenções de alguns habitantes sobre proteger sua cultura, muitos críticos argumentam que a segregação é uma forma de racismo disfarçado.
“É uma questão problemática”, admite Ben. “Estar em um lugar assim destaca quão tribalista os humanos podem ser. Eles se amam e cuidam uns dos outros, mas isso também cria uma barreira contra outros. Precisamos de uma identidade que vá além da nossa raça e cultura.”
Enquanto o mundo avança em direção à inclusão, Kleinfontein permanece um exemplo de como velhas crenças podem persistir, refletindo a luta contínua pela igualdade racial e a convivência pacífica. A série “Human” de Zand promete explorar ainda mais essas questões em futuros episódios, incluindo temas como tribos remotas na África Central e a crescente indústria de acompanhantes no Brasil.
Na busca por um entendimento mais profundo sobre a natureza humana e a convivência, Ben Zand se arrisca a contar histórias que precisam ser ouvidas, independentemente de quão desconfortáveis possam ser.