Mais de três anos após a descoberta das valas comuns em Bucha e com a guerra na Ucrânia ainda em andamento, o sacerdote ortodoxo Andriy Halavin compartilha lembranças angustiantes daquela época. “Não podemos nos fechar no passado, mas não podemos viver cheios de ódio; o tempo do perdão chegará”, afirma ele. A cidade ucraniana foi cenário de atrocidades que chocaram o mundo, deixando marcas profundas na comunidade local.
A tragédia em Bucha
Entre o final de fevereiro e o início de março de 2022, Bucha foi ocupada pelas tropas russas, resultando na morte de centenas de civis. Durante a retirada das forças russas, a cidade revelou a assustadora realidade de valas comuns, onde corpos apresentavam sinais de tortura e estavam enterrados com as mãos amarradas. A revelação dessas atrocidades gerou uma indignação mundial e motivou investigações do Tribunal Penal Internacional sobre os crimes de guerra cometidos na região. O Papa Francisco também expressou sua preocupação, referindo-se às “mulheres e crianças indefesas” que se tornaram vítimas desse conflito.
Memorial em homenagem às vítimas
Atualmente, em Bucha, um memorial honra as almas perdidas. Entre os nomes gravados, uma representação da Pietà reflete a dor da comunidade. O sacerdote Halavin, que esteve presente durante aqueles momentos sombrios, lembra-se claramente do horror vivido por sua cidade. “Ouvimos as primeiras explosões nas primeiras horas da guerra, e ao redor, o caos se instalava”, relata ele, ressaltando como a vida naquele momento parecia estar suspensa, aguardando um desfecho que nunca chegava.
Enfrentando os horrores da ocupação
Durante a ocupação, Halavin testemunhou os horrores da guerra de perto. Em uma das noites mais tensas, ele teve um encontro marcante com soldados russos enquanto tentava levar velas para sua igreja. “O medo de perder minha vida estava sempre presente”, confessa. Essa experiência demonstrou o dilema entre a sobrevivência e a fé em momentos de crise, algo que Halavin e muitos outros viveram intensamente.
O impacto das descobertas
Quando o mundo descobriu a extensão dos crimes em Bucha, Halavin e sua comunidade iniciaram o doloroso processo de recuperação dos corpos das valas comuns. “Por quase dois meses e meio, trabalhamos para identificar e dar um sepultamento digno a essas vítimas”, explicou. O processo foi profundamente emocional e desafiador, envolvendo a colaboração de especialistas internacionais para realizar testes de DNA, já que muitos corpos estavam em estado avançado de decomposição.
O peso do perdão
Hoje, Halavin reflete sobre o trauma coletivo e a possibilidade de perdão. “Não podemos viver cheios de ódio, mas também não podemos simplesmente fechá-los diante do passado. O momento do perdão chegará, mas responsabilidade e reconhecimento são fundamentais”, pondera. Ele acredita que o perdão se torna viável quando houver um reconhecimento genuíno das atrocidades cometidas. “A guerra pode acabar, mas as feridas levarão tempo para cicatrizar”, conclui ele.
Em meio a toda essa tragédia, Halavin encontra um propósito em sua fé e em seu papel como líder espiritual. Ele busca confortar sua comunidade, ajudando-os a lidar com o fardo do ódio e a redescobrir a felicidade. “Para nós, essa guerra não é apenas uma batalha por território, mas pela sobrevivência de nossa identidade”, afirma.
A fé em tempos de crise
Para Halavin, a fé pode assumir um papel crucial em tempos de crise. Ele reflete sobre o ditado de que não há ateus nas trincheiras. “Quando tudo parece perdido, as pessoas recorrem a Deus, redescobrindo sua fé”, diz. Isso também é um testemunho do espírito humano que se recusa a ser quebrado, mesmo diante do sofrimento extremo.
Deus em meio ao sofrimento
Quando questionado sobre onde estava Deus durante os horrores da guerra, Halavin responde que Deus não cometeu essas atrocidades, mas está presente na humanidade que se solidariza. “Devemos lembrar que somos nós, seres humanos, que temos o poder de decidir entre a vida e a morte”, afirma com firmeza. Para ele, a verdadeira força da fé se manifesta na humanidade que se une para ajudar e curar.
O testemunho de Andriy Halavin ainda ecoa em Bucha, uma cidade marcada pela dor, mas também por uma esperança ressubstituta que espera por um futuro mais pacífico. Com a guerra ainda em curso, sua mensagem de perdão e fé é mais relevante do que nunca.