Na primeira sessão como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, leva ao plenário duas ações que tratam do vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo e plataformas de transporte individual. Nesta quarta-feira (1º/10), foram incluídas na pauta de julgamento a Rcl 64.018 e o RE 1.446.336.
Julgamento do STF e contexto do trabalho dos aplicativos
Ambas as ações contestam decisões da Justiça do Trabalho que reconheceram o vínculo de emprego e determinaram o cumprimento da legislação trabalhista para os motoristas. O julgamento, que promete ter uma grande repercussão, está cercado de expectativa, visto que a regulamentação da chamada “uberização” tem sido uma questão polêmica e discutida em diversos âmbitos do direito trabalhista no Brasil.
Após falas em comemoração ao aniversário de 37 anos da Constituição Federal, os ministros ouvirão as sustentações orais nos casos, além da leitura do relatório. É importante ressaltar que, embora as sustentações iniciem o julgamento, a análise ocorrerá em sessão posterior ainda a ser agendada. As relatorias das ações, uma de autoria da Rappi e outra da Uber, são de Alexandre de Moraes e Edson Fachin, respectivamente.
A chamada “uberização”, que envolve o trabalho para aplicativos de entregas ou de transporte de passageiros, vinha sendo tratada apenas no âmbito das Turmas e em decisões monocráticas. Por essa razão, a proposta de levar o tema ao Plenário busca garantir um posicionamento uniforme do STF sobre a matéria.
Parecer da PGR e suas implicações
Perto do início do julgamento, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou um parecer contrário ao reconhecimento do vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo e grandes plataformas como a Uber. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, argumentou que o reconhecimento desse vínculo representaria “ofensa ao princípio constitucional da livre iniciativa”, além de estar em desacordo com a jurisprudência do STF sobre a constitucionalidade de oferecer serviços às margens da CLT.
A PGR defendeu a “constitucionalidade de modelos diversos de prestação de serviços no mercado de trabalho”, ressaltando a importância da liberdade econômica e de organização das atividades produtivas. Gonet citou votos de outros ministros que destacam a necessidade de assegurar ampla liberdade às empresas para definir suas escolhas organizacionais, levando em conta o dinamismo das transformações econômicas e sociais.
Votos de ministros e a perspectiva sobre o vínculo empregatício
No parecer, Gonet mencionou posicionamentos da ministra Cármen Lúcia e do ministro Alexandre de Moraes. Cármen Lúcia enfatizou que é crucial garantir liberdade às empresas para assegurar sua competitividade e subsistência. Moraes, por sua vez, destacou que o modelo de parceria atual “faz frente a essas novas realidades de maneira estruturalmente mais satisfatória que o vínculo empregatício tradicional”. Essa visão reflete a relevância de se adaptar às novas formas de trabalho, que vão além do modelo fabril da Revolução Industrial.
A ação original e seu impacto
A ação que está sendo analisada no STF foi movida por uma motorista que solicitou o reconhecimento de seu vínculo empregatício com a Uber. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) acatou esse pedido, levando a Uber a recorrer ao STF. Durante a audiência pública realizada pelo Suprem, a representante da Uber no Brasil destacou o impacto da empresa no país e argumentou que os motoristas têm a liberdade de escolha em relação ao seu trabalho, o que não se alinha às obrigações previstas na CLT.
Além disso, a empresa defendeu que está aberta ao diálogo para aperfeiçoar a regulação e priorizar a proteção previdenciária e social dos motoristas, sem comprometer a liberdade de iniciativa.
Repercussão e expectativa do julgamento
Os desdobramentos desse processo têm repercussão geral reconhecida, ou seja, o entendimento a ser estabelecido pelo STF deverá ser seguido em todas as instâncias da Justiça. A regulação do trabalho através de aplicativos é considerada uma questão urgente, especialmente considerando a insegurança jurídica criada por um número crescente de ações na Justiça do Trabalho, que podem chegar a 10 mil processos à espera deste julgamento.
Esse cenário reforça a necessidade de uma legislação clara e eficaz que possa abranger as novas dinâmicas do mercado de trabalho, garantindo assim direitos tanto para os trabalhadores quanto para as empresas que operam nesse modelo inovador.
O julgamento no STF, portanto, não é apenas sobre o vínculo de trabalho em si, mas reflete um período de transição em que o Brasil busca encontrar um equilíbrio entre as novas realidades do trabalho digital e as estruturas legais estabelecidas há décadas.