Na última terça-feira, o cenário do futebol brasileiro foi abalado pela saída de Renato Gaúcho do comando do Fluminense. A demissão aconteceu em um momento tenso, logo após a eliminação do time na Sul-Americana, em um jogo disputado no Maracanã. Mais do que um simples pedido de demissão, a cena expôs uma crise profunda que afeta o esporte: uma insatisfação coletiva e crescente dos torcedores, que parece não ter limites. “A partir de agora vai estar outro cara aqui, e eu quero ver se ele vai colocar o time que o torcedor quer ou o time da cabeça dele”, disse Renato, criticando a pressão por resultados imediatos e a influência das redes sociais no comportamento dos torcedores.
A cultura da pressão e a frustração dos torcedores
A demissão de Renato Gaúcho não é um caso isolado. O fenômeno observado por diversos jornalistas aponta para uma mudança na forma como os torcedores interagem com seus clubes. O jornalista Pedro Dep, conhecido por sua análise crítica nas redes sociais, destacou como a lógica digital tem transformado as arquibancadas em um ambiente de cobrança intensa e, muitas vezes, irracional. A cultura do imediatismo, que reina nas redes sociais, se infiltrou nas arquibancadas, criando uma plateia virtual que exige resultados e não perdoa falhas.
Essa nova dinâmica fez com que os torcedores deixassem de se ver como parte de uma comunidade, em que os altos e baixos do esporte são aceitos, para se tornarem clientes em busca de um produto: vitórias. “Se paguei, exijo retorno”, afirma Douglas Ceconello, que analisa a transformação no relacionamento entre torcedores e clubes. A frustração diante de uma derrota é tratada como uma falha no serviço, eliminando a perspectiva coletiva e esquecendo que a essência do futebol é sua natureza imprevisível.
A síndrome do vencedor inconformado
Leonardo Lichote, jornalista e torcedor do Fluminense, vai além. Ele menciona a “síndrome do vencedor inconformado”, onde a insatisfação persiste mesmo em períodos de sucesso. O Fluminense, que há pouco alcançou semifinais do Mundial e continua vivo na Copa do Brasil, viu sua recente eliminação se tornar uma tragédia em meio a conquistas passadas. O que antes era celebrado rapidamente se transforma em descontentamento, evidenciando que a bipolaridade da torcida tem marcado o futebol brasileiro contemporâneo.
A sensação de que “não basta” tornou-se comum, e as expectativas dos torcedores são cada vez mais altas, independente do desempenho atual do time. Para muitos, o critério de sucesso de um treinador passou a ser julgado unicamente pela última partida, deixando de lado uma visão mais abrangente sobre as conquistas e as dificuldades do trabalho a longo prazo.
Os desafios de um futebol em transformação
Adicionalmente, o Fluminense se destacou por ser um dos últimos clubes a resistir à tendência crescente de contratar treinadores estrangeiros, uma prática já comum entre as principais equipes do Brasil. Com a recente indicação de Luis Zubeldía, o Fluminense não apenas se junta a essa corrente, mas também simboliza a transição de uma era, mostrando que até os últimos bastiões da tradição local estão se rendendo às novas dinâmicas do futebol.
Desde 2023, a maioria dos clubes brasileiros já experimentou a orientação de técnicos de fora, reforçando a ideia de que a busca por inovação e sucesso fugiu das fronteiras nacionais. A pressão, portanto, não é só sobre os técnicos, mas uma reflexão sobre como o futebol, enquanto fenômeno cultural, está enfrentando uma crise de identidade, desencadeada pela necessidade constante de resultados e a impaciência crônica dos torcedores.
Refletindo sobre a essência do torcer
A questão que fica é: como recuperar a dimensão emocional e comunitária que sempre foi a essência do torcer? O futebol é, por natureza, um jogo de perdas e ganhos — a alegria vêm da raridade das vitórias, e a resiliência dos torcedores é essencial para sustentar essa paixão. O ato de torcer deve ser um exercício de resistência, que envolve continuar apoiando o time, mesmo nas derrotas, até que a vitória chegue. Renato, em sua saída dramática, revelou o quanto a relação entre times e torcedores está doente e a necessidade urgente de recuperar o espírito do esporte.
As torcidas precisam redescobrir a sua essência, que não se baseia apenas em conquistas imediatas, mas em um pertencimento coletivo. O pacto entre torcedores e clubes deve ser de proatividade e compreensão, em vez de uma simples lógica de consumo. Aceitar a derrota como parte do caminho é fundamental para revitalizar o amor pelo jogo.