A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) deu início nesta sexta-feira (26) em Assunção, Paraguai, ao julgamento do caso “Mães de Cabo Frio vs. Brasil”. A audiência visa apurar violações de direitos humanos relacionadas à morte trágica de pelo menos 96 recém-nascidos na UTI neonatal da Clínica Pediátrica da Região dos Lagos (Clipel), que ocorreu entre junho de 1996 e março de 1997. O evento contou com depoimentos emocionantes de familiares e representantes do Estado brasileiro, além de integrantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Detalhes do caso e histórico de sofrimento
Durante a audiência, relatos pungentes foram feitos por familiares das vítimas, trazendo à tona o sofrimento e a luta por justiça que perdura há quase três décadas. Helena Gonçalves dos Santos, que perdeu a filha em decorrência de negligência médica, expressou sua dor ao afirmar: “Queríamos estar amamentando e esse direito foi tirado da gente”. Os testemunhos destacaram a falta de informações sobre o estado de saúde das crianças e o impacto emocional sofrido por essas mães.
Além de Helena, outros familiares relataram casos similares, como o de Cesar Alejandro Nicolas Eboli, que perdeu seu filho devido a uma infecção hospitalar adquirida após internação na UTI. Ele mencionou: “Chamamos um amigo médico que confirmou que a internação foi desnecessária e que nosso filho foi infectado logo na entrada da UTI”. Esses relatos ressaltaram as falhas graves que ocorreram na assistência neonatal, evidenciando a necessidade urgente de responsabilização por tais práticas que não seguem os padrões de vigilância sanitária.
A responsabilidade do Estado e pedido de desculpas
A advogada Daniela Fichino, representante das famílias afetadas, criticou a postura do Estado brasileiro, que reconheceu a responsabilidade de forma limitada. Apesar de um pedido de desculpas oficial durante a audiência, Fichino apontou que a proposta de acordo apresentada às famílias carecia de substância e não correspondia à dor e à luta enfrentada por estas mães. A advogada destacou que a Corte Interamericana pode desempenhar um papel fundamental na reparação das injustiças cometidas.
O Estado, por meio da advogada da União, Ílina Pontes, reconheceu oficialmente as falhas que permitiram a operação da clínica sem as licenças necessárias, e pediu desculpas pelas discriminações ocorridas durante a investigação do caso. Pontes enfatizou que essa omissão constituiu uma violação do dever estatal de proteger as crianças.
Próximos passos no julgamento
Após o término da audiência, as partes envolvidas têm até o dia 28 de outubro para apresentar alegações finais por escrito. A sentença da Corte IDH será divulgada nas semanas subsequentes, e, se o Brasil for condenado, poderá ser obrigado a implementar medidas como o pagamento de indenizações, assistência psicológica às famílias e a reabertura de investigações sobre o caso. Além disso, a Justiça Global propôs a criação de um memorial em Cabo Frio e a implementação de políticas de saúde materna e neonatal mais rigorosas.
Impacto e relevância do caso
Este julgamento é um marco importante no combate às violações de direitos humanos, uma vez que destaca as falhas estruturais na proteção do direito à saúde de recém-nascidos. A decisão da Corte pode estabelecer precedentes significativos para a responsabilização em casos semelhantes, além de forçar mudanças nas políticas públicas relacionadas à saúde.
Relembrando o caso das mortes de recém-nascidos
O caso “Mães de Cabo Frio” emergiu de um período trágico na história da saúde neonatal no Brasil, onde entre 1996 e 1997, cerca de 96 recém-nascidos perderam suas vidas na UTI neonatal da Clipel. As investigações iniciais resultaram em denúncias contra médicos, mas a maioria dos acusados foi absolvida devido à falta de provas que ligassem as mortes à negligência. Em 2022, a CIDH concluiu que o Brasil violou direitos fundamentais, e em 2024, o caso chegou à Corte IDH.
Com esses eventos, espera-se que o julgamento traga não apenas reconhecimento das falhas cometidas, mas também uma mudança significativa na forma como a saúde neonatal é tratada no Brasil, visando evitar que tragédias como essa se repitam no futuro.