Um recente relatório da Transparência Brasil trouxe à tona uma prática controversa que permitiu a parlamentares realizar indicações “paralelas” de emendas de bancada no valor de R$ 2,9 bilhões no ano passado, recursos que pertenciam formalmente ao Executivo. Essa manobra político-financeira obteve a anuência do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e favoreceu, em particular, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), que recebeu pelo menos R$ 313 milhões. O estudo, divulgado nesta terça-feira (25), levanta sérias questões sobre a transparência e a integridade no uso dos recursos públicos.
Implicações da manobra das emendas paralelas
Segundo a pesquisa, apenas 20% das emendas “paralelas”, ou seja, aproximadamente R$ 600 milhões, tiveram a sua aplicação adequada às normas orçamentárias, sendo identificáveis. O restante, que foi utilizado como emenda, se misturou às verbas “livres” dos ministérios, dificultando a rastreabilidade e a transparência das informações. Isso representa um grande desafio para o controle social sobre como os recursos públicos estão sendo aplicados.
A análise também sugere que o valor destinado à Codevasf corresponde à mais da metade da verba “paralela” que pode ser rastreada, evidenciando a predominância de alguns setores em receber benefícios de forma inadequada. O levantamento, realizado pela Transparência Brasil por meio da Lei de Acesso à Informação, revelou que parlamentares estavam cientes de suas indicações e do quinhão que julgavam ter direito.
Práticas preocupantes e falta de rastreabilidade
O estudo expôs como os deputados e senadores se dirigiam diretamente ao presidente da Codevasf, utilizando expressões como “minha cota” e “portador do crédito”, o que revela um nível preocupante de informalidade e potencial favorecimento nas transferências de verba. Isso levanta questões sobre a ética e o uso responsável dos recursos públicos, além de trazer à tona a necessidade de maior controle e supervisão por parte das autoridades competentes.
Outros Ministérios e Estados Beneficiados
O Ministério da Defesa é outro destacado no relatório, tendo recebido R$ 109,6 milhões em emendas “paralelas”. Os estados que receberam mais recursos nesse contexto foram Amapá, com R$ 92 milhões, além de Piauí, Ceará, Bahia e Amazonas, que também figuram entre os principais beneficiários.
O protocolo de emendas de bancada no Brasil observa o pagamento obrigatório e deve ser inscrito no Orçamento com o código “RP 7”, enquanto as emendas “paralelas” são marcadas com os códigos “RP 2” e “RP 3”, permitindo que, em tese, sua aplicação fique a cargo do governo federal. Entretanto, o que foi observado foi um desvio dessas normas, onde os parlamentares detalharam como os recursos seriam gastos, e o Executivo respondeu quase integralmente a esses pedidos, se comportando de maneira semelhante às emendas impositivas.
Desde 2020, as emendas de bancada “paralelas” já somam R$ 9,4 bilhões, dos quais apenas 39% têm uma aplicação rastreada. A situação se complica, pois um estudo anterior da Transparência Brasil já havia identificado outra prática semelhante envolvendo emendas de comissão, totalizando R$ 8,5 bilhões no Orçamento federal previsto para 2025.
A situação atual e os próximos passos
Recentemente, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, foi solicitado a suspender esses repasses “paralelos”. Após uma análise e solicitação de informações à Advocacia Geral da União (AGU), Câmara e Senado, Dino determinou que a apuração sobre emendas “paralelas” deveria ser conduzida separadamente. Na semana passada, ele pediu manifestações da AGU e da Procuradoria-Geral da República (PGR), finalizando essa fase antes do julgamento do caso.
O relatório de Transparência Brasil conclui que a execução das emendas “paralelas” infringe uma decisão anterior do ministro Dino, que havia suspendido tais emendas entre agosto e dezembro de 2024, permitindo apenas a retomada dos pagamentos sob a condição de que o Congresso estabelecesse critérios mais rigorosos de transparência.
Em um sinal preocupante, durante esse período de suspensão, o governo Lula liberou R$ 79,1 milhões em emendas “paralelas”, o que intensifica a crítica à falta de controle e supervisão adequada desses recursos. O documento da Transparência Brasil reafirma que esse modelo de aplicação das emendas de bancada é similar a práticas previamente consideradas inconstitucionais pela Corte Suprema.
Por fim, é ressaltado que “é imprescindível que as emendas paralelas sejam compreendidas como emendas parlamentares, sendo submetidas ao controle interno e externo”, enfatizando a necessidade de uma nova abordagem para garantir a correta gestão dos recursos públicos.
A problemática levantada pela Transparência Brasil sugere que a sociedade civil e as instituições precisam se mobilizar para que haja mais rigor na legislação e controle das finanças públicas, garantindo assim maior transparência e responsabilidade no uso dos recursos destinados ao bem comum.