Recentemente, uma declaração polêmica do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ganhou destaque ao afirmar que mulheres grávidas podem causar autismo em seus bebês através do uso de Tylenol, medicamento que contém acetaminofeno como princípio ativo. Essa afirmação tem seu suporte parcial em uma pesquisa de um cientista que recebeu $150.000 para oferecer testemunho como especialista em um processo judicial contra os fabricantes do medicamento.
Estudo de Harvard e suas implicações
No mês passado, o Dr. Andrea Baccarelli, um renomado acadêmico de saúde pública da Universidade Harvard, coautorizou uma revisão que associou o uso de acetaminofeno ao autismo. Ele alertou que mulheres grávidas deveriam “limitar” o consumo do medicamento. A recomendação ganhou força quando, durante uma conferência de imprensa na última segunda-feira, Dr. Marty Makary, comissário da Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA), citou o estudo de Baccarelli como justificativa para aconselhar oficialmente mulheres grávidas a evitar o Tylenol.
Na conferência, Makary comentou que “o corpo de evidências esmagador aponta para uma associação” e destacou a urgência com que Baccarelli se manifestou, afirmando que “não podemos esperar mais”. A declaração foi recebida com atenção, especialmente considerando o papel crítico que o uso de medicamentos durante a gravidez desempenha na saúde do feto.
Controvérsias na comunidade científica
Por outro lado, a credibilidade do estudo de Baccarelli e suas conclusões têm sido questionadas. Durante o verão de 2023, Baccarelli atuou como testemunha especialista em um processo contra a Kenvue, fabricante do Tylenol. Um grupo de pais processou a empresa alegando que o autismo e TDAH de seus filhos eram resultado do uso pré-natal de acetaminofeno. Em depoimento, Baccarelli revelou ter recebido cerca de $150.000 como testemunha nesse caso.
Contudo, o juiz federal Denise Cote rejeitou as testemunhas apresentadas pela parte demandante, classificando suas opiniões como “não confiáveis”. Ao avaliar o testemunho de Baccarelli, Cote descreveu sua análise como “incompleta e tendenciosa”, enfatizando que ele minimizava estudos que contradiziam sua tese.
Reações e críticas à pesquisa
Embora Baccarelli tenha defendido seus achados na revisão, críticos argumentam que suas metodologias podem estar viciadas. O professor David Mandell, diretor associado do Centro de Pesquisa sobre Autismo no Hospital Infantil da Filadélfia, questionou a integridade da revisão, afirmando que os métodos utilizados para avaliar a ligação entre acetaminofeno e autismo foram inadequados e que os resultados foram apresentados de forma tendenciosa.
Além disso, um estudo financiado pelo governo dos EUA que analisou 2,5 milhões de crianças suecas encontrou que a associação entre uso de acetaminofeno durante a gravidez e autismo desapareceu quando comparados irmãos expostos e não expostos ao medicamento. Este estudo destacou que fatores ambientais, em vez do medicamento, podem ser responsáveis por qualquer efeito observado.
Conselhos e cautelas em relação ao uso de medicamentos
A rede Autistic Self Advocacy, uma organização sem fins lucrativos nos EUA, criticou a revisão de Baccarelli, alegando que ela incluiu estudos que não eram completos ou rigorosos. Membros da Coalition for Autism Scientists afirmaram que a ideia de que o acetaminofeno causa autismo é “irresponsável”, uma vez que a relação é muito mais complexa e incerta.
Em resposta às declarações de Baccarelli e suas implicações no uso de Tylenol, a coalizão expressou preocupação, afirmando que a desinformação pode gerar pânico e falsa esperança, ao simplificar uma questão sem respostas fáceis. A mensagem é clara: não há evidência suficiente para afirmar que o uso de Tylenol resulta em autismo, e os pesquisadores devem continuar a investigar os fatores que influenciam as diagnósticos de autismo.
Aumento de diagnósticos de autismo
Segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, os diagnósticos de autismo aumentaram drasticamente desde 2000. Esse aumento é atribuído em parte à maior conscientização sobre o autismo e à ampliação da definição do transtorno, além da investigação de fatores ambientais. Assim, é imperativo que pais e profissionais de saúde prossigam com cautela ao interpretar novos achados de pesquisa.
Em um cenário onde as informações e recomendações estão em constante evolução, é fundamental que os cidadãos busquem fontes confiáveis e se mantenham informados sobre os riscos envolvidos no uso de medicamentos durante a gravidez.