O historiador Daniel Aarão Reis, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), discute em entrevista temas candentes sobre a situação política no Brasil, especialmente no que tange à possibilidade de uma anistia ampla para aqueles envolvidos na tentativa de golpe que desafiou a democracia nacional. Apesar da forte representação do bolsonarismo no Congresso e da simpatia de alguns membros do Centrão, Reis argumenta que uma anistia “ampla, geral e irrestrita” é pouco provável. No entanto, ele vê espaço para um possível meio-termo, que poderia envolver a redução de penas para os envolvidos.
O julgamento e sua importância para a democracia
O julgamento recente de um ex-presidente e de militares por suas ações golpistas é considerado por Daniel Aarão Reis um marco inédito na história brasileira. Segundo ele, esse evento demonstra que a democracia é capaz de se fortalecer, condenando aqueles que ameaçaram sua estabilidade. Contudo, o historiador alerta que a condenação não é suficiente para desmantelar as ideias golpistas que ainda persistem na sociedade brasileira. “Seria um erro interpretar o julgamento como uma vitória definitiva sobre o golpismo”, pondera.
Anistia e confiança no establishment político
Para Reis, a defesa da democracia deve estar enraizada nas massas populares, e a discussão sobre a anistia não pode prevalecer sobre questões fundamentais que envolvem a vida cotidiana dos brasileiros. Ele destaca que a atual crise de confiança com o establishment político é um aspecto que não pode ser ignorado. “Reduzir o debate eleitoral de 2026 ao tema da anistia seria um desserviço e impediria a discussão de como estender os valores democráticos”, argumenta.
Comparações com anistias do passado
Respondendo à questão sobre as diferenças entre a correlação de forças atual e a que levou à anistia dos militares em 1979, Reis observa que, embora o bolsonarismo tenha uma forte representação no Congresso, ele ainda acredita que não será possível uma anistia irrestrita. “O efeito positivo desse julgamento é que a certeza da impunidade, que tanto contribuiu para o golpe de 1964, foi abalada”, ressalta.
A influência das retaliações externas
Discussões sobre retaliações do governo dos EUA, especialmente sob a liderança de Donald Trump, são levantadas por Reis. Ele sugere que tais pressões têm o potencial de unir as esquerdas e criar um sentimento nacionalista, mas avisa que o nacionalismo, se não conciliado com a democracia, pode ter consequências perigosas. “O nacionalismo é uma hidra de muitas cabeças”, adverte.
A importância de distinguir entre movimentos sociais
O historiador expressa sua preocupação com uma possível interpretação distorcida da história que equipararia os radicalismos de esquerda e de direita, especialmente em relação aos eventos que culminaram no golpe de 1964. Segundo ele, essa visão pode justificar repressões a movimentos sociais que buscam reformas dentro do sistema. Reis enfatiza a necessidade de distinguir entre aqueles que visam destruir o sistema e aqueles que o desafiam para promover mudanças significativas.
O papel das Forças Armadas na democracia contemporânea
A recente postura dos chefes militares, que se opuseram à ideia de decretar estado de defesa, reflete avanços no papel das Forças Armadas, segundo Reis. No entanto, ele critica a interpretação flexível do artigo 142 da Constituição de 1988, que pode ser utilizada para justificar intervenções que atentem contra a democracia. “A maioria dos conspiradores dessa trama se criou na Nova República, mas com perspectivas antidemocráticas”, destaca.
O panorama político brasileiro se apresenta como um campo de tensões, com desafios que exigem uma reflexão profunda sobre a democracia, a anistia e a relação entre as instituições, os cidadãos e a história. O futuro da política no Brasil dependerá, como ressalta Aarão Reis, da capacidade de conduzir diálogos que permitam a verdadeira consolidação dos valores democráticos no cotidiano da população.