O recente julgamento que resultou na condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de militares envolvidos na trama golpista é considerado histórico por especialistas. O professor Rubens Glezer, da FGV Direito SP, que coordena o projeto Supremo em Pauta, acredita que apesar de superado o “capítulo Bolsonaro”, o Supremo Tribunal Federal (STF) segue desempenhando um papel central na política brasileira. Para ele, este julgamento não apenas traz consequências jurídicas, mas também oferece um aprendizado sobre a trajetória de tentativas de golpe no Brasil.
Relevância do julgamento e suas implicações
Segundo Glezer, o julgamento é relevante não apenas pelo resultado, mas principalmente pelo caráter didático que ele apresenta. A condenação expõe as etapas de uma tentativa de golpe, desde a mobilização dos agentes até as conversas que ocorrem entre eles, iluminando como projetos autoritários costumam se desenvolver. Essa abordagem é crucial, pois o Brasil tem uma histórica conexão com intervenções militares em sua política, e, por muito tempo, tais tentativas não foram punidas.
Em comparação com momentos anteriores na História do Brasil, Glezer argumenta que o papel do STF atual é sem precedentes. Embora o tribunal tenha exercido um papel importante imediatamente após o golpe militar de 1964, atualmente, ele é considerado muito mais forte e centralizado do que jamais foi. Desde 1988, o STF se consolidou como um ator essencial na manutenção do Estado Democrático de Direito, refletindo a necessidade de um Judiciário robusto para regular as relações entre os poderes e evitar arbitrariedades do Executivo.
Os desafios da pacificação política
Um dos principais tópicos discutidos por Glezer é a possibilidade de uma pacificação política no país após o julgamento. Ele acredita que, embora a condenação de Bolsonaro possa ter um papel no fortalecimento das instituições, o ressentimento acumulado tanto pela direita quanto pela esquerda em relação ao STF ainda representa um obstáculo significativo. Esse ressentimento é alimentado pelas decisões passadas do tribunal, que, em anos recentes, puniram tanto bolsonaristas quanto petistas, o que cria um espaço fértil para a retaliação política.
Glezer observa que, enquanto a punição pode não ser suficiente para pacificar o debate político, governos funcionais que se concentram em resolver questões econômicas e sociais podem ajudar a restaurar a confiança entre as instituições e a população. A resolução de problemas práticos, como infraestrutura e necessidade da população, é vista como um caminho para desviar o foco de um debate pautado pela vingança e por conflitos ideológicos.
O futuro do STF e seu protagonismo
Quando questionado sobre a possibilidade de um STF menos protagonista no futuro, Glezer faz uma análise crítica. Embora ele defenda que seria desejável uma normalização institucional que reduzisse a intervenção do Supremo na política, ele reconhece que a dinâmica atual torna isso um desafio. Parte da política se alimenta do embate com a Corte, e a polarização pode ser benéfica para interesses eleitorais. Assim, é provável que o STF continue a desempenhar um papel proeminente na cena política, especialmente em tempos eleitorais.
A questão da anistia em debate
Por fim, a pauta da anistia surge como um tema significativo em discussão. Glezer adverte que a forma como essa proposta é mobilizada pode não ser genuína, quando se considera que o STF pode vir a declará-la inconstitucional. O debate em torno da anistia, portanto, não se limita a questões legais, mas também se transforma em uma rica pauta eleitoral que pode abrir espaço para acusações de perseguição política, dependendo de sua interpretação e aplicação.
Em suma, o reflexo do julgamento da condenação de Bolsonaro e militares pelo STF é um tema de complexidade e relevância. Com o impacto que essas decisões têm sobre a política brasileira, a discussão sobre o futuro do STF continua a ser vital para a manutenção da democracia no país.