No Rio de Janeiro, a situação das pessoas em condição de rua continua a ser um tema preocupante. Recentemente, diversas denúncias feitas por moradores de abrigos da prefeitura revelaram condições insatisfatórias nas unidades de acolhimento e a falta de assistência adequada por parte do município. O caso ganhou destaque em meio a uma ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal (MPF) e defensorias da União e do Estado, que acusam a gestão municipal de omissão em relação à população vulnerável.
Realidade dos abrigos na cidade
Dentre os relatos mais impactantes está o de Hildebrando Alves da Costa, um idoso de 67 anos que, após 15 dias dormindo no pátio do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), sofreu um furto. Hildebrando conta que teve seu celular levado enquanto tomava banho, expondo a falta de segurança nos abrigos. “Aqui deveria ser um lugar seguro, mas não é. Um aparelho novo, 30 dias de uso, levado em um momento de desatenção”, lamenta.
Outros frequentadores do Centro Pop, outra unidade de acolhimento, afirmam que a estrutura carece de alimentação. “Temos um espaço para descansar e tomar banho, mas não há comida. Precisamos esperar por doações de quentinhas”, comentou Jackson Oliveira, um promotor de vendas que busca abrigo nas dependências do centro.
Desafios e promessas não cumpridas
A Prefeitura do Rio também possui um programa chamado PAR Carioca – Ponto de Apoio na Rua, que prometia funcionar 24 horas, oferecendo banheiros e kits de higiene. Contudo, um dos locais, na Praça da Cruz Vermelha, foi desativado há mais de seis meses, deixando muitas pessoas sem acesso a esses serviços essenciais.
Na última terça-feira, a primeira Conferência Nacional de Entidades Ligadas à População em Situação de Rua teve início, concentrando esforços para discutir a implementação de políticas públicas que atendam essa população. Representantes do evento relataram a falta de preparo da cidade para lidar com a situação crítica vivida por milhares de pessoas nas ruas.
Dados alarmantes sobre a população em situação de rua
Segundo um censo realizado pela prefeitura em 2022, cerca de 7.800 pessoas vivem nas ruas do Rio. No entanto, um levantamento mais abrangente, feito pela UFMG, revelou que o número real pode ser quase o triplo: mais de 22.500 pessoas. Para agravar a situação, as 35 unidades de atendimento na cidade oferecem apenas 3.000 vagas, uma falha significativa conforme argumentam o MPF e a Defensoria Pública.
O MPF também aponta que, além da falta de infraestrutura, a prefeitura descumpre determinações do Supremo Tribunal Federal, que proíbe remoções forçadas e exige a garantia de segurança para essas pessoas. A ação civil pública busca assegurar que a Política Nacional Para a População em Situação de Rua, conhecida como Ruas Visíveis, lançada em 2023, seja implementada integralmente.
Resposta da Prefeitura do Rio
Em resposta às acusações, a prefeitura contestou a ação, afirmando que não há comprovações do descumprimento das normas e que possui a autonomia necessária para aprimorar as políticas. Segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social, entre janeiro e julho deste ano, foram registrados 33.279 atendimentos, um aumento de 269% em relação ao mesmo período do ano anterior.
A secretaria destacou ainda que criou 250 novas vagas para acolhimento, e garantiu que todas as unidades respeitam as normas mínimas do Sistema Único de Assistência Social. Contudo, planos para melhorias permanentes nos abrigos estão em andamento.
Um clamor por dignidade e direitos
As vozes que se levantam a partir das ruas pedem por dignidade e respeito. Fábio Silva da Cruz, que também está em situação de rua, fez um desabafo significativo: “O sistema tem todo o aparato para ajudar a cada um de nós aqui. Isso para a gente não é viver. Somos excluídos da sociedade. Todos nós temos direito a uma resposta, porque ninguém é melhor do que ninguém.”
A luta pela visibilidade e respeito à população em situação de rua no Rio de Janeiro continua, e é necessária uma ação efetiva e consciente por parte do poder público para garantir os direitos fundamentais a essas pessoas. Enquanto isso, há um apelo ressoante por condições dignas e humanas nos abrigos, capazes de promover a reintegração social e a qualidade de vida.