Um fenômeno religioso está se concretizando no Brasil, especialmente entre comunidades no Nordeste: o retorno de brasileiros com ancestralidade judaica ao judaísmo. Estima-se que cerca de 30 mil pessoas, conhecidas como bnei anussim, tenham se convertido ao longo dos últimos anos. Essa expressão, que em hebraico significa “filhos dos forçados”, refere-se a aqueles cujos antepassados foram obrigados a se converter ao cristianismo durante a Inquisição na Península Ibérica, no século 15. O movimento, que tem sua base nas periferias e cidades pequenas do Nordeste, está não só ganhando visibilidade entre os descendentes de judeus, mas também influenciando a cultura e a religião no Brasil.
O ressurgimento das tradições judaicas
Em Messejana, um bairro pobre de Fortaleza, a sinagoga Beitel, fundada em 2014, é um exemplo emblemático desse movimento. Antes uma igreja evangélica, o espaço passou a incorporar cada vez mais elementos judaicos, refletindo a transformação espiritual de seus membros, como Flávio Santos, que transita entre suas raízes evangélicas e a descoberta de suas origens judaicas. Ele e outros da comunidade afirmam ter reencontrado suas conexões ancestrais por meio de pesquisas familiares e testes de DNA. Flávio, por exemplo, associou práticas de sua avó nascidas no interior de Alagoas, como a recusa em apontar para estrelas com os dedos, a tradições judaicas, ligando a memória da Inquisição com sua nova identidade.
Desafios e críticas
Infelizmente, o movimento é recebido com ceticismo por algumas comunidades judaicas estabelecidas no Brasil. As tensões emergem da percepção de que muitos bnei anussim são vistos como “novatos” na fé judaica, levando a uma marginalização que pode se manifestar em eventos como a recusa de acesso a sinagogas tradicionais. Flávio e outros líderes da comunidade esperam que, com o tempo, a aceitação mútua se torne mais comum, mas o caminho ainda é longo.
A conexão com Israel
O impacto do movimento dos bnei anussim vai além das fronteiras brasileiras. Muitos que se converteram ao judaísmo buscam a aliá, o processo legal para obter a cidadania israelense. Há relatos de ex-membros da comunidade que servem no Exército de Israel, demonstrando a importância da conexão com o Estado judeu, especialmente em tempos de conflito, como a atual situação em Gaza.
A ascensão da comunidade bnei anussim
Com a crescente popularidade de testes genéticos e cursos online que exploram a rica história do judaísmo no Brasil, o número de pessoas se identificando como bnei anussim está aumentando. Historicamente, o Nordeste abrigou uma mistura cultural rica de judeus cristãos-novos, os “marranos”, que se converteram à força, mas mantiveram práticas judaicas em segredo.
O escritor Jacques Ribemboim, especialista na história do judaísmo no Brasil, acredita que o número de nordestinos com ascendência judaica pode ser imenso, e essa redescoberta do legado judaico pode não apenas enriquecer a identidade dos bnei anussim, mas também contribuir significativamente para o entendimento das complexidades da história judaica. Ele afirma que existem entre 4 a 30 milhões de brasileiros com potencial para se identificarem com o judaísmo, uma possibilidade extraordinária para o futuro religioso do país.
Enfrentando a resistência
Apesar da história rica, o retorno ao judaísmo não é uma jornada fácil. Os bnei anussim frequentemente encontram resistência de instituições judaicas tradicionais. De acordo com o rabino Shamai Ende do Chabad, conversões são vistas como impróprias, já que muitos buscam a religião com intenções financeiras. Entretanto, representantes de comunidades não ortodoxas apontam que a aceitação é necessária e benéfica.
Reforma religiosa e aceitação social
O caminho para a aceitação dentro do judaísmo pode ser complicado e cheio de nuances. No entanto, líderes de comunidades bnei anussim, como Aldrey Ribeiro, defensor da sinagoga Branca Dias na Paraíba, argumentam que o retorno ao judaísmo representa uma reparação histórica e uma forma de reconectar com um passado muitas vezes esquecido. Para Aldrey, construir uma identidade judaica emerge como uma forma de resistência e afirmação cultural, apontando a necessidade urgente de diálogo e união entre as diversas vertentes do judaísmo.
O movimento dos bnei anussim no Brasil é um testemunho do poder da herança e da identidade. À medida que se aprofunda essa ligação com suas raízes judaicas, muitos enfrentam os desafios da rejeição, mas encontram força nas comunidades em crescimento que estão fazendo ecoar suas vozes e vivências em um mundo que, cada vez mais, se mostra diversificado e interconectado.
Em resumo, o retorno de brasileiros ao judaísmo representa uma rica tapeçaria de história, cultura e identidade que não só reflete a busca por pertencimento, mas que também reimagina o futuro da religião no Brasil e suas conexões com Israel.