No último dia 19, marcado pelo Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua, diversos movimentos sociais se reuniram no Rio de Janeiro para reforçar a urgência do respeito e dignidade para aqueles que enfrentam a realidade de viver nas ruas. O Fórum de Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua organizou um ato pacífico na escadaria da Câmara Municipal, na Cinelândia, onde manifestantes clamaram pelo fim do preconceito e da violência, especialmente em operações urbanas que frequentemente apreendem os poucos pertences que essas pessoas possuem.
A realidade de quem vive nas ruas
Monique de Souza, uma mulher de 48 anos, é um dos rostos que ilustram essa dura realidade. Dividindo um espaço na marquise da Cinelândia com o marido e sua cadela Pantera, Monique luta diariamente pela dignidade e oportunidades. “Quando eu não tô aqui na Praça Floriano, tô lá na Santa Lúcia”, explica. Sua história é marcada por perdas e desafios, que se intensificam pela luta constante para encontrar um lar e reintegrar-se ao mercado de trabalho, uma missão dificultada pelo estigma que carrega como ex-presidiária.
“É difícil. E é difícil porque eu já fui ex-presidiária. Entendeu? Errar é humano. Repetir é burrice”, declara, ressaltando seu desejo sincero de reabilitação e mudança.
Dados alarmantes sobre a população em situação de rua
O censo de 2022 aponta que mais de 7,8 mil pessoas estão vivendo nas ruas do Rio, uma realidade composta por homens, mulheres e até crianças que se espalham por diferentes regiões da cidade. Dados da Secretaria Municipal de Assistência Social indicam um aumento nos atendimentos a essa população em 2025: entre janeiro e julho, foram realizadas mais de 62 mil abordagens, um incremento de quase 15 mil quando comparado ao mesmo período de 2024. Embora muitos ainda recusem a opção de abrigo, o acolhimento também apresentou crescimento, com mais de 33 mil atendimentos nos primeiros sete meses do ano — uma média de 156 por dia, quase 21 mil a mais do que no ano anterior.
O papel da Prefeitura e das instituições de apoio
Em entrevista, Jéssica Almeida, subsecretária de Proteção Social da Prefeitura do Rio, explicou que os espaços abrigos são diversificados, buscando atender diferentes perfis: “Nós temos abrigos para idosos, abrigo para mulheres, homens e também para famílias, respeitando as particularidades de cada grupo”. Essa abordagem diversificada é crucial para desenvolver um atendimento efetivo e humano, mas os especialistas alertam que a solução vai além de simplesmente oferecer um teto.
Desafios relacionados ao mercado de trabalho
Dário de Souza e Silva Filho, professor da UERJ e pesquisador do tema, destaca que a escassez de empregos formais e a precariedade do mercado de trabalho alimentam o aumento da população em situação de rua. “O Rio de Janeiro atraiu muita mão de obra de baixa qualificação durante os grandes eventos recentes, mas a falta de continuidade desses postos de trabalho deixou muitas pessoas em situação de vulnerabilidade”, afirma.
Ele também ressalta a importância de garantir o acesso a itens básicos, como higiene e alimentação, fundamentais para a preservação da saúde mental e física dos moradores de rua. “Há uma conexão comprovada entre a falta de higiene e o sofrimento psíquico. Quanto mais tempo uma pessoa fica sem cuidar de si, menos chances ela tem de reintegração no mercado de trabalho”, aponta.
Iniciativas de solidariedade e o papel da comunidade
Além das ações governamentais, iniciativas comunitárias têm se destacado na luta por melhores condições de vida para essa população. A pastora Mara Cristiane, da Assembleia de Deus Poder e Unção, na Taquara, realiza há mais de uma década a distribuição de quentinhas, um trabalho que hoje chega a levar entre 800 e 1.500 refeições por dia. “A necessidade na rua hoje é muita fome”, afirma, enfatizando que a solidariedade comunitária é um pilar essencial para suprir necessidades imediatas.
Enquanto os números de acolhimentos crescem, os desafios em saúde, emprego e restabelecimento da dignidade pessoal permanecem. A luta pela inclusão e pelo respeito à população em situação de rua é uma responsabilidade coletiva que exige ações contínuas e efetivas.
O Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua nos lembra de que cada pessoa em situação de vulnerabilidade é, acima de tudo, um ser humano com sonhos e direitos que precisam ser respeitados e valorizados.