Brasil – No cenário das relações internacionais, poucas parcerias comerciais possuem uma relevância tão estratégica quanto a que se formou entre Brasil e China ao longo das últimas décadas. Hoje, o gigante asiático se consolidou como o principal destino das exportações brasileiras, absorvendo aproximadamente 31,8% das vendas externas do país e se tornando indispensável para setores econômicos fundamentais, como o agronegócio e a mineração.
Para muitos, essa dependência é um símbolo de um mercado vibrante e da capacidade brasileira de aproveitar as oportunidades de crescimento que a demanda chinesa proporciona. No entanto, para especialistas como o professor Heni Ozi Cukier, essa concentração comercial é um alerta, apontando para uma armadilha que poderia comprometer a soberania econômica e a autonomia política do Brasil.
Nesta análise, exploramos os principais pontos que sustentam a relação Brasil e China, as implicações econômicas e políticas dessa dependência e os riscos a longo prazo. Vamos também observar como outros países estão lidando com a dependência econômica em relação à China e as lições que o Brasil pode extrair dessa experiência para proteger seus próprios interesses estratégicos. Em uma seção específica, destacamos ainda os dados mais recentes sobre as exportações brasileiras para a China, buscando dar um panorama completo e detalhado desse vínculo que molda a economia brasileira.
A armadilha da dependência Brasil e China: uma análise de Heni Ozi Cukier
Em uma entrevista recente, Heni Ozi Cukier expôs sua visão crítica sobre o que ele chama de “armadilha de dependência” na relação Brasil e China. Segundo Cukier, a dependência econômica do Brasil limita sua autonomia, tornando-o vulnerável a pressões externas. Ele cita o caso da Austrália, que, ao criticar a transparência chinesa durante a pandemia de COVID-19, foi alvo de retaliações comerciais de Pequim. Segundo Cukier, essa situação poderia facilmente se repetir no Brasil, caso o país adotasse uma postura que desagradasse ao governo chinês. “A China pode escravizar o Brasil a qualquer momento; basta que tome uma posição contrária aos interesses chineses, e a resposta pode ser rápida e severa,” afirma ele.
Essa percepção se torna ainda mais relevante quando observamos a estrutura das exportações brasileiras. Atualmente, o Brasil exporta principalmente commodities para a China, como soja, minério de ferro e petróleo — produtos que são essenciais para a indústria chinesa. No entanto, essa relação é marcada por uma assimetria de poder: enquanto a China possui diversas alternativas para adquirir esses produtos, o Brasil enfrenta grandes dificuldades para encontrar novos mercados de igual porte.
Cukier alerta para o perigo de se confundir “interdependência econômica” com dependência unilateral. Em sua visão, o conceito de interdependência é frequentemente utilizado para mascarar o poder de barganha desproporcional que uma das partes exerce sobre a outra. “Quando um lado depende do outro para manter sua economia funcionando e o outro lado possui alternativas, essa relação está longe de ser uma parceria igualitária,” explica. A dependência brasileira do mercado chinês coloca o país em uma posição de vulnerabilidade e sugere que o Brasil não está se preparando para uma eventual ruptura, voluntária ou não, dessa relação comercial.
A estrutura das exportações brasileiras para a China
O Brasil tem na China seu maior parceiro comercial, com um fluxo significativo de exportações que ultrapassa a marca dos US$ 100 bilhões. Grande parte dessas exportações é composta por commodities de baixo valor agregado, refletindo a concentração da economia brasileira em setores primários, como agricultura e mineração. A seguir, apresentamos os principais produtos exportados pelo Brasil para a China, detalhando os valores e as porcentagens de cada um no total das exportações.
Produto | Exportações (2022) | % Exportações Totais |
---|---|---|
Soja | US$ 46,5 bilhões | 68% |
Petróleo (óleos brutos) | US$ 42,5 bilhões | 62% |
Minério de Ferro | US$ 28,9 bilhões | 63% |
Carne Bovina | US$ 8 bilhões | 58% |
Celulose | US$ 3,3 bilhões | 55% |
Carne de Frango | US$ 1,23 bilhão | 47% |
Algodão | US$ 816 milhões | 45% |
Carne Suína | US$ 611 milhões | 40% |
Esse conjunto de produtos ilustra como a dependência brasileira da China se concentra em commodities essenciais, cujos valores de exportação têm sido historicamente altos. A soja, por exemplo, representa 68% das exportações brasileiras para a China, tornando-se um pilar na segurança alimentar chinesa. O petróleo e o minério de ferro, por sua vez, atendem à demanda energética e industrial do país asiático, que necessita de matérias-primas para sustentar seu crescimento econômico.
No entanto, esse tipo de exportação coloca o Brasil em uma posição fragilizada, já que oscilações na demanda chinesa podem ter um impacto direto na economia brasileira. Quando o preço das commodities cai ou a China decide reduzir suas importações, o Brasil sofre as consequências de forma imediata, dada a falta de diversificação do seu portfólio de exportação.
Os riscos da dependência: vulnerabilidade e pressão econômica
A dependência em um único parceiro comercial não só cria uma vulnerabilidade econômica, mas também reduz a margem de manobra do Brasil em sua política externa. O poder de barganha da China na relação é incomparavelmente maior, permitindo que o país asiático exerça influência sobre decisões estratégicas brasileiras. O exemplo da Austrália é emblemático: ao apoiar uma investigação sobre a origem da COVID-19, o país foi alvo de sanções comerciais chinesas, com restrições severas em setores importantes de sua economia. Caso o Brasil adote uma postura que desagrade Pequim, as consequências econômicas podem ser devastadoras.
Heni ressalta ainda que essa vulnerabilidade é agravada pela ausência de um projeto nacional de longo prazo. Ele argumenta que o Brasil, sem uma estratégia que una as vertentes políticas e promova a diversificação econômica, se torna refém de ciclos políticos de curto prazo e carece de uma visão sólida para o futuro. “O Brasil precisa saber onde quer chegar; precisa definir se quer ser uma potência regional, um líder na América do Sul, ou um país de peso global,” critica ele. Sem essa definição, as decisões econômicas e de política externa tornam-se fragmentadas, deixando o país à mercê das demandas internacionais e de crises repentinas.
O movimento global de desacoplamento
Em contraste com a postura brasileira, países como os Estados Unidos e várias corporações internacionais têm adotado uma estratégia de decoupling ou desacoplamento, que busca reduzir a dependência da China em suas cadeias produtivas. Esse movimento envolve a relocalização de fábricas e investimentos em novos mercados para diversificar a produção e diminuir a vulnerabilidade.
Empresas como a Apple, que durante anos centralizaram suas fábricas na China, agora buscam alternativas, como a Índia e o Vietnã, para continuar produzindo em condições favoráveis, mas sem depender exclusivamente do mercado chinês. Essa mudança reflete uma compreensão mais ampla de que a centralização econômica em um único país, mesmo que seja uma potência, pode representar um risco de longo prazo. No Brasil, a falta de uma iniciativa similar é motivo de preocupação para Cukier, que vê o país cada vez mais exposto a riscos globais que poderiam ser mitigados com uma estratégia mais diversificada.
O conceito de interdependência econômica: mito ou realidade?
O termo “interdependência econômica” é frequentemente usado para descrever a relação entre Brasil e China, sugerindo que a dependência mútua cria uma situação de segurança. No entanto, Cukier argumenta que, em casos como o do Brasil, a interdependência é ilusória. A China possui alternativas viáveis para substituir produtos brasileiros, como a soja e o minério de ferro, que podem ser adquiridos de outros países, como Estados Unidos e Austrália, em caso de necessidade. Já o Brasil, sem opções comparáveis para diversificar seu mercado de exportação, fica preso a uma dependência unilateral.
Essa vulnerabilidade limita a capacidade do Brasil de tomar decisões soberanas, pois qualquer conflito de interesses pode ser usado como ferramenta de pressão econômica. O resultado é uma “falsa segurança”, onde o Brasil acredita ter uma parceria estável, mas na verdade possui pouco controle sobre os rumos dessa relação.
A necessidade de um projeto nacional para o futuro
A análise de Heni Ozi Cukier sugere que o Brasil precisa urgentemente reavaliar sua política externa e desenvolver um projeto de país que transcenda as divisões partidárias e busque um futuro mais seguro e autônomo. Para ele, a diversificação das exportações e a expansão de novos mercados são passos essenciais para proteger a economia brasileira e garantir sua resiliência diante de uma crise global.
Além disso, ele argumenta que o Brasil deve investir em setores de maior valor agregado, como tecnologia e inovação, para reduzir sua dependência de commodities e fortalecer sua competitividade internacional. Esse esforço não é apenas econômico, mas estratégico, permitindo que o Brasil se posicione de maneira equilibrada no cenário global e evite se tornar refém de um único parceiro.
Em última análise, o futuro das relações Brasil-China depende de uma postura pragmática e de um planejamento cuidadoso, que leve em conta os desafios econômicos e as implicações geopolíticas de longo prazo. O Brasil tem a oportunidade de fortalecer sua economia e ampliar sua presença global, mas para isso será necessário superar a armadilha da dependência e adotar uma visão estratégica que garanta sua autonomia em um mundo cada vez mais complexo e multipolar.