A investigação do Ministério Público de São Paulo revelou um esquema fraudulento envolvendo favorecimento de empresas varejistas, incluindo Ultrafarma e Fast Shop, por meio de propinas pagas a fiscais da Secretaria da Fazenda estadual. A operação, conduzida pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Delitos Econômicos (Gedec), resultou na prisão de dois auditores fiscais e na apreensão de milhões de reais em dinheiro, joias e criptomoedas.
Prisões e esquema de propina de mais de R$ 1 bilhão
Foram presos Artur Gomes da Silva Neto, supervisor da Diretoria de Fiscalização da Sefaz-SP, e Marcelo de Almeida Gouveia, também responsável na pasta. Segundo o MP, Silva Neto era responsável por manipular processos de benefícios fiscais, acelerando a liberação de créditos tributários fraudulentos em favor de gigantes do varejo. Os auditores recebiam pagamentos mensais, via uma empresa em nome da mãe de Silva Neto, a Smart Tax, sediada na residência do próprio na cidade de Ribeirão Pires.
O Ministério Público estima que Silva Neto já recebeu mais de R$ 1 bilhão em propinas, mantendo uma relação estreita com empresas como Ultrafarma e Fast Shop. Os documentos apreendidos demonstraram uma atuação articulada, na qual Silva Neto orientava e acelerava procedimentos favorecendo tais empresas na obtenção de créditos de ICMS além do previsto na legislação.
Funcionamento do esquema e vantagens indevidas
De acordo com o MPSP, o fiscal facilitava a obtenção de créditos fiscais por meio de ações ilícitas, ajudando as empresas a furar filas de ressarcimento de ICMS, acelerar processos e até mesmo aumentar artificialmente os valores a serem recebidos. Ele também utilizava a identidade eletrônica da Ultrafarma para registrar ações na Secretaria de Fazenda como se fosse a própria empresa, além de aprovar pedidos prioritários.
Momento de maior destaque na investigação ocorreu após a análise de e-mails de Silva Neto, nos quais foram encontrados registros de intensa troca de mensagens com a Fast Shop, incluindo orientações para obter benefícios fiscais ilegais, além de evidências de lavagem de dinheiro envolvendo joias, criptomoedas e altos valores em dinheiro apreendidos pelos policiais —Imagem aqui mostra dinheiro apreendido na operação, realizada em Alphaville—.
Recorrente influência de propinas na tributação
A análise fiscal apontou que Silva Neto atuava em conluio com executivos da Fast Shop, providenciando suporte técnico para acelerar processos de ressarcimento de créditos de ICMS, de modo a obter vantagens ilícitas. A prática, que vem ocorrendo desde maio de 2021, é considerada uma das maiores fraudes fiscais já descobertas na Secretaria da Fazenda paulista, com prejuízos estimados em bilhões de reais.
Segundo o promotor de Justiça João Ricupero, o esquema pode ter impactado uma estimativa entre R$ 8 bilhões e R$ 9 bilhões de créditos acumulados junto à Fazenda de São Paulo, valor considerado subestimado diante do levantamento feito pela Federação das Indústrias do Estado (Fiesp), que aponta uma soma de quase R$ 40 bilhões em créditos de ICMS não utilizados por diversas empresas.
Pistas de viagens a paraísos fiscais e lavagem de dinheiro
Investigações revelaram que Silva Neto realizou várias viagens ao exterior, incluindo países considerados paraísos fiscais como Suíça e Emirados Árabes Unidos, além de visitas ao Uruguai, que oferece leis fiscais vantajosas. Tais deslocamentos reforçam suspeitas de movimentações ilícitas nas contas do auditor e de suas relações com os demais envolvidos na operação.
Outro ponto importante foi a descoberta de registros patrimoniais bastante elevados da mãe de Silva Neto, relacionadas às movimentações milionárias realizadas através da empresa Smart Tax, sobretudo a partir de 2022, quando os repasses da Fast Shop ultrapassaram R$ 60 milhões em valores brutos.
Outras empresas e possíveis beneficiadas
O MP apura se outras companhias também participaram do esquema, como Kalunga, OXXO e grupos de combustíveis. Em casos específicos, a Secretaria da Fazenda já identificou recusas de envio digital de documentos por parte da Kalunga, enquanto e-mails trocados entre Silva Neto e a Smart Tax indicam ligação com o serviço de consultoria tributária prestado à OXXO.
Representantes das empresas mantêm silêncio oficial. A OXXO afirmou que não recebeu qualquer comunicação formal sobre a investigação, enquanto a Kalunga informou estar à disposição para colaborar se for necessário. O Grupo Nós, proprietário da OXXO, informou que ainda não foi notificado.
Consequências e próximas etapas
Além das prisões, a operação resultou na apreensão de dinheiro, criptomoedas, joias e documentos em várias localidades, incluindo Alphaville e São Bernardo do Campo. As autoridades continuam investigando se outros nomes aparecem envolvidos no esquema e se há novas vítimas entre empresas menores.
A Sefaz-SP anunciou que instaurou procedimento administrativo para apurar condutas internas e reforçou seu compromisso com a ética e a justiça fiscal. A partir das provas recolhidas, os investigados podem responder por crimes de corrupção, formação de organização criminosa e lavagem de dinheiro, com processos judiciais em andamento.
Veja o vídeo: Sidney Oliveira, da Ultrafarma, confessou fraude fiscal e aceitou pagar R$ 32 milhões
Mais detalhes sobre a operação e o impacto na arrecadação podem ser acessados no link da reportagem do GLOBO.