A decisão unânime do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de cassar o mandato do deputado Deltan Dallagnol, membro do Podemos-PR, despertou mais do que olhares perplexos e cabeças coçando em confusão. Despertou preocupação – uma preocupação profunda, que vai além das complexidades jurídicas e se instala no cerne da nossa democracia.
A lei da Ficha Limpa, uma medida inovadora e bem-intencionada, foi pensada para manter os abusadores de confiança pública longe dos cargos políticos. Não obstante, o tratamento dado ao caso de Dallagnol parece ir além da aplicação da lei e adentrar o território perigoso do arbítrio judicial.
Dallagnol, notório por sua atuação na Lava Jato, pediu exoneração do Ministério Público em novembro de 2021. O que se seguiu foram dois processos finalizados com censura e advertência, e 15 procedimentos preliminares que poderiam, em tese, levar a novos Processos Administrativos Disciplinares (PADs). O TSE viu isso como fraude contra a aplicação da lei da Ficha Limpa.
O problema é que, na época da exoneração de Dallagnol, não havia um PAD aberto. Parece que o TSE tem agora o poder de ver o futuro – de imaginar a existência de um PAD e pré-julgar o que seria este processo. Esta atitude tem um gosto amargo de justiça pelas próprias mãos, uma negação da presunção de inocência, um direito constitucional fundamental.
A atuação de Dallagnol na Lava Jato foi e continua sendo polêmica. Algumas das suas ações, indubitavelmente, causaram tensões e levaram a questionamentos válidos sobre sua abordagem e métodos. Mas isso não deve ofuscar o fato de que uma democracia saudável se baseia em princípios de justiça, devido processo legal e presunção de inocência.
A Lei da Ficha Limpa tem sua importância e necessidade em nosso contexto político, mas ela deve ser aplicada com justiça, não como uma ferramenta de punição baseada em suposições e conjecturas.
A decisão do TSE, embora unânime, não escapa do questionamento. O ministro aposentado do STF, Marco Aurélio de Mello, expressou sua perplexidade. Miguel Reale Júnior, jurista de renome, chamou a decisão de “arbitrária”. Estes não são comentários casuais. São sérias dúvidas levantadas por mentes jurídicas experientes, alertando para um potencial desvio do curso da justiça.
Espera-se que nossas instituições judiciais ajam com integridade, transparência e respeito pela lei. Espera-se que eles apliquem a lei de forma justa e sem preconceito, não que a utilizem como uma arma para punir aqueles de quem discordam. A decisão sobre Dallagnol lança uma sombra sobre essas expectativas.
O país caminha para um campo de abuso de direito, e isso não favorece a harmonia e o respeito pelas autoridades e instituições. Em momentos de calor e paixão, é necessário manter a calma e a razão. O país não prospera na base da arbitrariedade, mas sim com respeito à lei, aos direitos dos cidadãos e ao devido processo legal.
Cassar o mandato de Dallagnol com base em conjecturas e suposições não contribui para a integridade do nosso sistema político. Isso só serve para minar a confiança pública na justiça, criando um precedente perigoso que pode ser usado e abusado no futuro.
Como sociedade, devemos exigir melhor. Devemos exigir justiça baseada em fatos e não em suposições. Devemos exigir que a lei seja aplicada justa e corretamente, não de forma arbitrária e punitiva.
Porque uma democracia só pode prosperar quando há confiança no sistema. E essa confiança só pode ser mantida quando nossas instituições agem com integridade e justiça.